Taxa de juros, um novo olhar
Rubens Barbosa
O Estado de S.Paulo - 25/01/11
A combinação de alta da inflação com aumento do déficit público e das transações correntes acendeu a luz amarela - quase vermelha - no âmbito do governo e do setor privado. A reação imediata dos economistas e da mídia especializada ao repique da inflação foi considerar inevitável o aumento da taxa de juros, já a mais alta do mundo em termos reais.
Criou-se no Brasil o dogma de que a inflação pode ser contida com a elevação da taxa de juros, quando, na realidade, em países como o nosso, a relação de causa e efeito não ocorre necessariamente, ou não da mesma forma que nos países desenvolvidos. Há anos, em seguida às reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), o setor financeiro respira aliviado e o setor industrial repete as críticas, sem nenhum efeito prático, como ocorreu no último dia 19 de janeiro.
Chegou a hora de enfocar essa questão sob um ângulo novo. Em vez de reclamar do crescente gasto público e da insensibilidade das autoridades no tocante aos efeitos nocivos do aumento da taxa de juros sobre a os investimentos produtivos privados e sobre a dívida pública, que aumenta significativamente a cada movimento para cima dessa taxa, governo e setor privado deveriam começar um debate sobre os critérios empregados pelo Banco Central para defini-la.
O Banco Central tem como uma de suas missões principais a formulação, execução e acompanhamento da política monetária. Adicionalmente, exerce o controle das operações de crédito, formula, executa e acompanha a política cambial e as relações financeiras com o exterior; fiscaliza o Sistema Financeiro Nacional e o ordenamento do mercado financeiro; emite moeda e executa os serviços do meio circulante.
Com o objetivo de estabelecer as diretrizes da política monetária e de definir a taxa de juros, foi instituído, em 1996, o Copom, composto pelos membros da Diretoria Colegiada do Banco Central. A sistemática de "metas para a inflação", introduzida em 1999, foi determinada como diretriz de política monetária. Desde então, as decisões do Copom passaram a ter como objetivo cumprir as metas para a inflação definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Formalmente, os objetivos do Copom são "implementar a política monetária, definir a meta da taxa Selic e seu eventual viés, e analisar o Relatório de Inflação". A taxa de juros fixada na reunião do Copom é a meta para a taxa Selic (taxa média dos financiamentos diários, com lastro em títulos federais, apurados no Sistema Especial de Liquidação e Custódia), a qual vigora por todo o período, entre reuniões ordinárias do comitê.
O Copom faz uma análise da conjuntura doméstica abrangendo inflação, nível de atividade, evolução dos agregados monetários, finanças públicas, balanço de pagamentos, economia internacional, mercado de câmbio, reservas internacionais, mercado monetário, operações de mercado aberto, avaliação prospectiva das tendências da inflação e expectativas gerais para variáveis macroeconômicas. Após exame das projeções atualizadas para a inflação, são apresentadas alternativas para a taxa de juros de curto prazo e feitas recomendações acerca da política monetária. Ao final, procede-se à votação das propostas e se define a taxa de juros, sempre que possível, por consenso.
No caso dos EUA, o Federal Reserve Board (Fed) desempenha a função de banco central e tem competência regulatória e de supervisão das instituições financeiras, além de manter a estabilidade do sistema financeiro. Diferentemente do Banco Central do Brasil, o Fed tem a importante atribuição de alcançar objetivos algumas vezes conflitantes, como manter o emprego no nível mais alto possível, a estabilidade de preços, incluindo a prevenção da inflação (ou da deflação), e o nível moderado das taxas de juros a longo prazo. E tem também a competência de gerenciar a oferta de moeda, por meio da política monetária, e de fortalecer a posição dos EUA na economia global.
No Brasil, a análise comparativa das atribuições dos dois bancos centrais mostra uma preocupação estritamente monetária e financeira na discussão da fixação da taxa de juros, enquanto nos EUA há uma preocupação mais ampla, não limitada apenas às tendências da inflação ou deflação, mas igualmente com o nível de emprego e, portanto, com o crescimento da economia.
Trata-se de uma diferença de grande significação política. Nos EUA, o Fed é obrigado a preocupar-se com a situação geral da economia para manter a competitividade do país no contexto internacional. No Brasil, o Banco Central trabalha dentro de sua estrita competência, sem levar em conta esses critérios adicionais, e, na prática, fica refém de considerações às vezes conjunturais ou sazonais, ou sofre influência dos tomadores ou aplicadores, pessoas físicas ou jurídicas.
Depois de mais de 15 anos de bem-sucedida política econômica, que estabilizou a economia e manteve a inflação sob controle, o Brasil está entrando numa nova etapa, voltada para o crescimento, a expansão do mercado interno e a inserção competitiva no mercado externo.
Nesse contexto, impõe-se uma reavaliação de políticas que fizeram todo o sentido na etapa anterior, como, por exemplo, os critérios utilizados para a redução e a manutenção da inflação dentro de padrões mundiais aceitáveis, e a legislação cambial restritiva, adequada para uma situação em que a autoridade monetária teve de se preocupar com o controle cambial.
O Banco Central, assim, para definir a taxa de juros, não deveria continuar a basear sua análise da economia apenas em critérios financeiros. Caberia rever sua competência legal para incluir parâmetros de manutenção do emprego e do crescimento econômico, a exemplo dos bancos centrais dos EUA e da China.
PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP
Nenhum comentário:
Postar um comentário