Liberdade religiosa e paz
DOM ODILO P. SCHERER
O Estado de S.Paulo - 08/01/11
Na sua recente mensagem para o Dia Mundial da Paz, comemorado cada ano pela Igreja Católica no dia 1.º de janeiro, o papa Bento XVI abordou um tema de grande atualidade: "Liberdade religiosa como caminho para a paz."
A perseguição religiosa e o cerceamento da livre manifestação da fé são fatos constantes na História da humanidade. E não faltam na atualidade ataques - e incêndios - a templos, vexações a grupos religiosos e até massacres por causa da identidade religiosa, como aconteceu ainda agora, no Natal, na África e na Ásia, e um pouco antes, em 31 de outubro de 2010, na Catedral siro-católica de Bagdá, no Iraque. No próprio dia 1.º de janeiro ocorreu outro atentado, este contra cristãos coptas numa igreja de Alexandria, no Egito, com mortos e feridos.
Não faltam países onde pessoas que professam determinada religião são discriminadas, têm os seus direitos civis negados ou sofrem o desprezo público; ainda há prisões e assassinatos em repressão à fé professada. Mas há também formas sutis de preconceito religioso, como a atribuição fácil de todos os males à religião, sem esquecer a pretensão, bastante em voga, de excluir dos espaços públicos os símbolos religiosos, fruto de preconceito ou intolerância. Tais atitudes, por vezes, aparecem envoltas em argumentações nada convincentes sobre a laicidade do Estado. O desrespeito à liberdade religiosa põe em risco a paz no convívio social e mesmo entre os povos.
O pontífice recorda que a liberdade religiosa é a fina expressão da dignidade e da liberdade do ser humano; na busca religiosa, e até na angustiosa negação da transcendência, o homem mostra que não se reduz à sua dimensão corpórea e material, mas é necessitado de se transcender e capaz de indagar sobre o sentido da vida, a verdade e os valores que devem orientar a existência; ele revela, assim, sua altíssima dignidade e a abertura ao sobrenatural e para o diálogo com Deus.
Negar ou, de alguma forma, cercear a liberdade religiosa seria cultivar uma visão redutiva e depauperada da pessoa humana; desprezar a função pública da religião seria privar o convívio social e a cultura de princípios orientadores basilares. "O respeito a elementos essenciais da dignidade do homem, como o direito à vida e à liberdade religiosa, é condição de legitimidade moral para toda norma social e jurídica", afirma Bento XVI (n. 2).
De fato, esse requisito básico da dignidade e dos direitos humanos, reconhecido também pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), é garantia de pleno respeito entre as pessoas. Há uma relação estreita entre liberdade e respeito; cada pessoa ou grupo, no exercício dos próprios direitos, não pode deixar de levar em conta iguais direitos nos outros e os seus próprios deveres em relação aos demais.
O papa Bento XVI acena para uma questão que lhe é cara e aparece com frequência em suas reflexões: "Uma liberdade hostil ou indiferente a Deus acaba por negar a si mesma e não garante o pleno respeito ao outro" (n. 3).
Ilusão seria buscar no indiferentismo religioso e no relativismo moral a chave para uma convivência pacífica; essas, ao contrário, seriam base para a negação da dignidade do ser humano e para a divisão entre as pessoas. São inerentes à pessoa a dimensão social e a religiosa.
Por isso, como afirmou o mesmo papa perante a Assembleia-Geral das Nações Unidas (em 18 de abril de 2008), "é inconcebível que os crentes tenham de suprimir uma parte de si mesmos - a sua fé - para serem aceitos como cidadãos: nunca deveria ser necessário renegar a Deus para ter os próprios direitos reconhecidos".
Porém entendamos bem: o papa não reivindica privilégios para esta ou aquela religião, nem que os Estados tenham uma religião oficial. Ao contrário, os Estados não devem impor a religião, nem discriminar cidadãos por causa dela, mas assegurar-lhes plena liberdade religiosa; e também àqueles que não têm fé.
A Igreja Católica, embora estimule todos na procura corajosa da verdade e na abertura para Deus, ensina que a consciência da pessoa deve ser sempre respeitada. A fé e a religião não devem ser impostas a ninguém. Menos ainda pelo Estado.
Fanatismo e fundamentalismo não combinam com o pleno respeito à liberdade religiosa; ambos instrumentalizam a religião em razão de interesses ocultos, como poderiam ser a subversão da ordem constituída, a manutenção do poder sobre outros ou a exploração econômica da fé e da credulidade das pessoas.
A religião, transformada em ideologia política ou estratégia econômica, torna-se um problema e pode causar enormes danos à sociedade. São práticas contrárias à dignidade humana, jamais são justificáveis em nome de Deus ou da religião. A garantia da liberdade religiosa é condição para a busca da verdade, que não se impõe pela violência, mas pela força da própria verdade (n. 7).
Aprende-se o respeito à liberdade religiosa por meio da educação já na infância, assim como o preconceito e a discriminação religiosa; os pais podem formar os filhos para valorizarem as próprias convicções religiosas, mas também para o respeito às convicções alheias.
Também os educadores e os formadores de opinião têm muito a contribuir para uma cultura respeitosa e tolerante em relação às convicções religiosas e à contribuição positiva das religiões para a civilização, a cultura.
A liberdade religiosa pode ser de grande ajuda para a paz, pois valoriza e faz frutificar as qualidades mais profundas da pessoa, capazes de tornar o mundo melhor e de alimentar a esperança num futuro de justiça e de paz.
CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO
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