domingo, janeiro 23, 2011

ALON FEUERWERKER

Sem espírito de patota
Alon Feuerwerker
CORREIO BRAZILIENSE - 23/01/11


A revolução educacional brasileira pede foco absoluto no aluno e no aprendizado deste, que deve subordinar as demais variáveis. Inclusive as sindicais
Talvez o último grande salto adiante na educação brasileira tenha acontecido com o ministro Paulo Renato, no governo Fernando Henrique. Ali universalizou-se o ensino fundamental. Restou, entretanto, o desafio da qualidade. Nossas crianças estão nas escolas, mas as públicas ainda não são boas. Para ser elegante.

O governo do PT promoveu avanços importantes. Vitaminou o antigo Fundef, que melhorava a renda dos professores, mas por não querer dividir o mérito com quem tinha trabalhado antes mudou o nome para Fundeb. Coisas da pequena política.

O PT também carrega o mérito de ter criado o Prouni, mecanismo compensatório para o jovem de origem popular não suficientemente competitivo para conseguir vaga no ensino superior público. Seria injusto concluir que o PT se preocupa de menos com a qualidade do ensino público fundamental e médio, esse nó górdio à espera de ser decepado. Mais provável é que o petismo ainda não tenha reunido as necessárias condições políticas para o upgrade.

E por uma razão simples. A revolução educacional brasileira pede foco absoluto no aluno e no aprendizado deste, que deve subordinar as demais variáveis. Inclusive as sindicais.

Uma reportagem de Luciano Máximo no Valor Econômico deste fim de semana aponta o crescimento do número de estados brasileiros propensos a adotar políticas de remuneração variável. Ganha mais o professor ou funcionário da escola onde as crianças e jovens demonstram que aprenderam mais. Simples.

O assunto andou frequentando a última campanha presidencial, por causa da oposição cerrada do sindicalismo paulista de professores a um plano com essas características implementado pelo governador de São Paulo, José Serra, do
PSDB. O PT, naturalmente, tratou de pegar uma carona.

A mesma ideia foi implantada em Pernambuco, mas como ali o governador Eduardo Campos (PSB) está aliado ao PT, o sindicalismo ficou sem suporte político, ficou a ver navios. Ninguém de peso no petismo se compadeceu.

Em Pernambuco, por sinal, os pais podem hoje em dia controlar pela internet se os professores de seus filhos foram dar aula e como deram aula. Um belo "controle externo" da atividade didática.

Recorde-se que o reeleito Eduardo Campos foi o candidato a governador proporcionalmente mais votado no ano passado.

A coragem de enfrentar os lobbies corporativos quando está em jogo o interesse público costuma dar dividendos, mesmo se o resultado imediato parece ser desgaste.

A trajetória de vida do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é bom exemplo de que uma origem pobre não necessariamente significa a condenação social. Cabe às políticas públicas dar uma mãozinha às estatísticas.

A proporção de recém-nascidos inteligentes e capazes não é diferente nos ricos e nos pobres. A diferença está nas oportunidades oferecidas às crianças.

Mesmo os distintos patamares de estímulo intelectual no ambiente familiar podem ser razoavelmente equalizados por uma escola excelente, ainda mais com a disseminação maciça da internet.

É útil haver sistemas de avaliação cada vez mais sofisticados, mas eles não são um fim em si. Comparando, seria como se numa epidemia de malária as autoridades estivessem concentradas em aumentar a fabricação de termômetros para medir a febre dos pacientes, em vez de colocar todas as energias na cura dos doentes.

A educação pública para nossas crianças e jovens antes da universidade ressente-se também de outro detalhe. Os herdeiros da elite estão na escola particular. A regra aplica-se aos filhos e netos de presidentes, governadores, ministros, secretários de educação, parlamentares, empresários, fazendeiros, juízes, promotores e - por que não? - jornalistas. Inclusive os especializados.

É como nas tragédias de origem natural (ou de origem na ação do homem sobre a natureza). Quando só os pobres morrem, ou perdem a casa e a família, a repercussão é uma. Quando morre também gente "da alta", ou famosa, é outra. Bem maior.
Ajudam aqui as cicatrizes que carregamos de quatro séculos de escravidão. Se não houvesse a alternativa da escola particular, se os filhos e netos da elite só tivessem a opção da escola pública, certamente as políticas educacionais não estariam atoladas no blá-blá-blá, no corporativismo e no espírito de patota dos especialistas.

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