Lições da guerra carioca
Ricardo Vélez Rodríguez
O Estado de S.Paulo - 01/12/10
Passada a intervenção policial e militar que pôs fim ao império do tráfico no Complexo do Alemão e nas favelas que integram a comunidade de Vila Cruzeiro, na Penha, vale a pena refletir acerca do que do episódio se pode tirar a limpo, em termos de políticas de segurança pública, a fim de que, em outras oportunidades, não se repitam erros do passado e a população se beneficie com ações mais bem planejadas no combate à criminalidade.
A primeira lição que se depreende é a de que não existe, verdadeiramente, crime organizado, mas Estado desorganizado. A imagem da fuga atordoada dos meliantes pela mata que separa os dois conjuntos de favelas, repassada por duas cadeias de TV para o mundo todo, está a provar essa assertiva. Um "exército" medianamente treinado não debanda dessa forma. Os bandidos, fortemente armados, não tinham um "plano B" para a eventualidade de a Vila Cruzeiro ser invadida. Ponto positivo para a cidade do Rio de Janeiro, cujo pior inimigo não constitui propriamente um "exército", mas um bando de meliantes que fogem quando as autoridades decidem pôr a polícia no seu encalço, com o apoio das Forças Armadas.
Diferente foi a situação enfrentada pelo Exército e pelas forças policiais colombianas, no início desta década, em Bogotá e em Medellín, quando da invasão aos santuários do crime: defrontaram-se com forças fortemente treinadas em táticas de guerrilha urbana, que, consequentemente, trouxeram sérias baixas à população e aos soldados.
A segunda lição é que o apoio das Forças Armadas no combate ao narcotráfico é importante. O elemento diferenciador das duas intervenções da semana passada em relação às anteriores está justamente aí: quando se dá o apoio das Forças Armadas, no cerco aos bandidos e na logística militar, a ação repressiva é dissuasória e eficaz.
Muitas pessoas criticam o fato de a aviação militar não ter aproveitado a fuga desordenada dos meliantes para metralhá-los a partir dos helicópteros. Imaginam os leitores a grita que estaria sendo feita neste momento, pelos defensores dos direitos humanos, caso isso tivesse sido realizado? O uso dos equipamentos das Forças Armadas restringiu-se ao cerco e à tática intimidatória que os tanques, os veículos blindados da Marinha e do Exército e os soldados das duas corporações exerceram, em apoio ao Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e à Polícia Civil. Claro que houve falhas no que tange a impedir a fuga de meliantes do Complexo do Alemão "disfarçados" de operários do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como foi alegado. Falha que vai dar dores de cabeça à polícia e à cidadania nos próximos meses, pois esses bandidos, livres, voltarão a se aglutinar em algum outro conjunto de favelas, possivelmente na Baixada Fluminense. O cordão de isolamento ao redor do Complexo do Alemão teve esse furo. É importante que os responsáveis analisem essa falha para que não se repita em episódios futuros.
A terceira lição consiste na constatação de que é perfeitamente possível uma ação de grande envergadura, que abarque Polícia Civil, Polícia Militar e Forças Armadas, sem que seja quebrada a unidade de comando e garantindo a eficiência e rapidez das decisões. O acompanhamento dos fatos pelas autoridades ocorreu em tempo real e utilizando modernos aparelhos de videocomunicação para contato com as diversas unidades envolvidas na ação. O comando da operação ficou por conta da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, sem que isso significasse atrito com os quadros das Forças Armadas. Ponto positivo.
Vale a pena lembrar que nas cidades colombianas já se havia posto em prática mecanismo semelhante. O comando das ações policiais de combate ao narcotráfico é do prefeito metropolitano. Para que isso se tornasse possível foi feita, em 1993, uma reforma no texto da Constituição de 1991.
Quarta lição: foi muito eficaz a mobilização de funcionários públicos civis da área da saúde para garantir o apoio logístico às duas operações, pondo à disposição da Secretaria de Segurança do Estado os leitos hospitalares necessários, bem como o serviço de ambulâncias. Felizmente, não foi necessário fazer uso de tais dispositivos, em decorrência da rapidez e da eficácia da ação repressiva.
Quinta lição: o apoio decidido da cidadania às duas ações desenvolvidas pela Secretaria de Segurança Pública, que se manifestou notadamente na utilização, por parte dos cidadãos, do Disque-Denúncia para identificar os meliantes. Causou emoção aos telespectadores assistir aos testemunhos de humildes cidadãos e donas de casa, que expressavam a sua alegria por se verem livres do jugo do narcotráfico, imposto a ferro e fogo às populações, à margem da vida cidadã. A conquista da liberdade foi, certamente, o fator mais importante, do ângulo humano, para essas populações da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão. E nessa conquista a rápida ação dos policiais e dos soldados das Forças Armadas foi decisiva.
A sexta lição fica por conta do importante papel desempenhado pela imprensa em todos esses episódios, informando, passo a passo, os cidadãos a respeito do que se estava passando e ajudando a orientar os habitantes das comunidades envolvidas acerca do que deveriam fazer para entrar e sair com segurança.
A democracia ganhou com esse triunfo das autoridades. O efeito positivo certamente será potencializado com a efetivação das políticas de inclusão social que os governos estadual e municipal desenvolverão no decorrer das próximas semanas, elevando a autoestima dos cidadãos outrora reféns do narcotráfico. Esse efeito positivo já se observa nas comunidades onde foram instaladas as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
COORDENADOR DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA (UFJF)
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