terça-feira, dezembro 21, 2010

MÍRIAM LEITÃO

Bom Natal 
Miriam Leitão 

O Globo - 21/12/2010

O varejo vive, em euforia, o melhor Natal da década, quando se somam crescimento forte, aumento de renda, queda de desemprego, otimismo e recorde de oferta de crédito. O presidente das Lojas Riachuelo, Flávio Rocha, acha que é o começo de um círculo virtuoso que vai durar muitos anos. O empresário Daniel Plá é mais comedido e teme alguns riscos que o varejista pode estar correndo sem ver.

O especialista em varejo Luiz Goes, da consultoria Gouvêa de Souza, acha que as vendas do comércio tendem a ser mais compatíveis com as do resto da economia nos próximos anos. Depois de crescer mais que o dobro do PIB de 2004 a 2010 — 9,3% contra 4,4% — impulsionado pelo aumento da oferta de crédito, da melhoria da renda e do mercado de trabalho, a tendência é que o varejo desacelere, mas continue crescendo. O segmento telefonia e informática, por exemplo, que liderou o crescimento varejista com taxa anual de 33%, a partir de agora deve crescer menos porque a telefonia terá que buscar receita na oferta de serviços, já que o uso de celulares atingiu a densidade de um aparelho por habitante.

— O setor de telefonia vai crescer menos porque haverá menos receita com venda de aparelhos e mais com oferta de serviços, que não entra como venda do comércio — disse Luiz Goes.

Flávio Rocha acha que o que está acontecendo vai além deste Natal. É o resultado, segundo ele, da transformação do Brasil em um país “de classe média”:

— Estamos vivendo o resultado de um ciclo virtuoso que vem de muito longe, de muitas conquistas. Acho que vai perdurar. São conquistas que podem durar até uma década porque estamos num momento favorável do ponto de vista demográfico e há a saudabilíssima formalização brasileira.

Daniel Plá disse que se sabia que esse seria um Natal espetacular há quatro meses, quando o setor de embalagens cresceu a um ritmo de 18%:

— Tem havido também até engarrafamento de entregadores nas lojas. Será um excelente Natal. É maravilhoso que o país caminhe para a formalização, mas este ainda é um incremento marginal. As empresas são empurradas para a informalidade e há verdadeiras redes que, para se manterem no Simples, põem uma loja em nome de cada pessoa da família. Os varejistas estão felizes porque o que eles estão vendendo não é apenas mercadoria, é dinheiro. Eles se transformaram em verdadeiros banqueiros. E o dez vezes sem juros é o tipo do negócio “me engana que eu gosto.”

Flávio Rocha discorda e diz que na verdade uma grande rede consegue tirar uma parte da sua margem para vender a prazo sem juros.

Luiz Goes acha que no médio prazo haverá redução do ritmo de vendas em setores como móveis e eletrodomésticos e veículos. Todos os dois tiveram crescimento muito maior que o resto do varejo nos últimos anos: 17,9% e 14,3%. O problema é que alguns itens já começam a encontrar um mercado saturado. Os fogões estão presentes em 97% das residências, segundo o IBGE. Isso quer dizer que as vendas a partir de agora terão que ter um apelo de inovação, troca, e não mais pela ausência do produto em casa. Além disso, muitas vendas, de bens como carros, foram feitas a prazo, com prestações longas, que vão retirar renda das famílias por períodos maiores.

Esses números significam que três dos cinco setores que puxaram as vendas do varejo nos últimos anos — os outros dois são farmácia e perfumaria (10,5%) e outros tipos de produtos (18,2%) — têm cenário de desaceleração à frente. A projeção de Goes é de que varejo cresça mais de 7% no ano que vem, contra uma taxa de 5% do PIB.

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