Lua de fel
DORA KRAMER
O ESTADO DE SÃO PAULO - 05/12/10
O presidente Luiz Inácio da Silva é daquelas pessoas sortudas, mas que demonstram acentuada dificuldade em conviver com o que de bom a vida lhes dá. Querem sempre mais e acham que o mundo lhes é um eterno devedor.
Lula tem todos os motivos para celebrar o sucesso: veio da pobreza, viu o ambiente no qual soube aproveitar oportunidades e venceu ao custo de esforço, obstinação e uma sorte rara.
Chegou à Presidência da República, transitou por ela com apoio inédito – política e socialmente falando –, transpôs obstáculos aparentemente intransponíveis, chega ao fim de dois mandatos popular como nenhum outro e carregando consigo o feito de ter convencido a maioria dos brasileiros a eleger presidente uma desconhecida.
Nunca se viu nada igual (para o bem e para o mal) e dificilmente o país verá tão cedo algo parecido.
Lula tem razões de sobra para estar feliz. Felicíssimo. No entanto anda triste. Tristíssimo. Chorando por qualquer coisa, segundo relatos de correligionários. Destilando ressentimento e insatisfação como se pode observar por seus atos e palavras nos últimos tempos.
Durante a campanha eleitoral poder-se-ia atribuir esse estado de espírito à tensão do combate.
Na hora da despedida é difícil perceber por que no lugar de estar em lua de mel consigo, Lula cultiva o fel e se dispõe ao exercício da grosseria com uma frequência atípica para quem teria tudo para estar de bem com a vida.
Não quer largar o poder. Entende-se, mas até certo ponto, pois a compreensão da regra do jogo é um imperativo a todo governante. Bem como uma razoável conexão com a realidade.
Lula sai iludido de que é a própria “encarnação” do povo brasileiro. Convenceu-se de que está acima dos demais e que tudo pode. Inclusive dar-se ao desfrute da covardia.
Gratuita, para dizer pouco, a agressividade com que atacou o repórter Leonencio Nossa, do O Estado de S.Paulo, por causa de uma pergunta sobre o motivo de sua visita ao Maranhão, na última terça-feira. O jornalista quis saber se a presença do presidente no estado era uma forma de agradecimento à “oligarquia Sarney”.
Uma pergunta crítica. Respondida de maneira tosca e covarde: “Você tem de se tratar, quem sabe fazer uma psicanálise para diminuir o preconceito”.
De uma investigação psicanalítica necessita o presidente para compreender a razão de defender-se assim diante de uma mera indagação sem nenhuma ofensa. Consciência pesada por ter se aliado ao que há de mais retrógrado na política?
Arrependimento por não ter tentado o lance maior do terceiro mandato?
Consciência tardia de que quebrou o juramento de cumprir a Constituição?
Seja o que for não justifica a ignorância. No sentido de ignorar o sentido do termo oligarquia (governo de poucas pessoas, pertencentes a um mesmo partido, classe ou família) e no sentido da hostilidade e, sobretudo, da covardia, pois sabia que o rapaz não poderia reagir ao ataque.
Esse é só um exemplo entre vários. Demonstração de que o ofício do poder requer preparo, principalmente para deixar de exercê-lo com um mínimo de nobreza.
Apetites
Fisiologismo por fisiologismo, justiça seja feita ao PMDB: foi quem mais perdeu até agora na composição do ministério. Ocupava as pastas da Saúde, Defesa, Agricultura, Integração Nacional, Minas e Energia e Comunicações.
Se não houver acréscimo, ficará com Minas e Energia, Agricultura, Turismo e Previdência. Um rebaixamento quantitativo e qualitativo.
Até sexta-feira à tarde apenas o PT havia tido ministros confirmados e, apesar disso, o partido continuava reivindicando mais postos a fim de apaziguar a briga interna por cargos.
A presidente eleita está precisando atender aos pedidos do presidente Lula, dos derrotados, dos amigos, dos que assumiram compromissos eleitorais, dos que precisam ser agora bem atendidos por terem sido maltratados, dos que necessitam de espaço para assumir mandato não disputado e de mais todos os representantes de correntes ora em guerra por um lugar na Esplanada.
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