Menos miséria, menos gastos
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 03/11/10
Dilma enfatiza miséria em discurso; à sua volta, há planos para gastar menos com INSS e servidores
A PRESIDENTE eleita fez um discurso estudadamente contemporizador na festa da vitória, no domingo. Pacifista, digamos. A liberdade de expressão mereceu duas menções. Cada conta do rosário de lugares-comuns da política econômica confiável foi recitada. A presidente eleita fez uma fezinha até nas agências reguladoras, avacalhadas durante todo o governo Lula.
Diz-se que Dilma Rousseff escreveu o discurso com o auxílio de Antônio Palocci, o embaixador vitalício do PT no país de bancos e empresas.
De mais interessante, apesar de soar banal, foi a tripla menção ao fim da miséria e ao controle de gastos. A educação, por exemplo, Dilma mencionou duas vezes, mas de passagem, um Pilatos no Credo.
Dilma não estava mais em campanha. Mas fez questão de dizer que a "erradicação da miséria" é seu "compromisso fundamental", "meta que assume", objetivo a ser cumprido "nos próximos anos", tal como o governo Lula teria realizado o "sonho" da mobilidade social. Anteontem já falava em incrementar o Bolsa Família. Enfatizou também os gastos intocáveis: "Programas sociais, serviços essenciais à população e os necessários investimentos".
No entorno de Dilma, o burburinho sobre a arrumação dos gastos do governo continua parecido com o de maio, quando a então candidata falou de modo mais explícito sobre sua política econômica, numa visita aos EUA, a Wall Street.
Agora, o rumor é até mais específico. Até anteontem, pelo menos, se ouvia que a presidente eleita pretende reduzir o ritmo de aumento do salário mínimo e, pois, dos benefícios do INSS, conter o crescimento dos gastos com o funcionalismo público, alterar a idade mínima de aposentadoria e inventar uma fórmula para reduzir, a longo prazo, o deficit da Previdência dos servidores.
Isso quereria dizer: 1) Reajustar o valor real do mínimo e do benefício previdenciário por uma taxa inferior à do PIB, regra atual; 2) Limitar o aumento real dos gastos com servidores a algo entre 1,5% e 2,5%; 3) Sobre idade mínima e aposentadorias de servidores, a discussão está mais aberta; 4) Despesas de investimentos seriam de vez retiradas do cálculo do superavit do governo federal. A medida do balanço das contas do setor público seria o valor nominal (incluindo gastos com juros, mas sem investimentos).
O objetivo final, como tem sido propalado tanto pela campanha como por vozes do Ministério da Fazenda, é chegar ao equilíbrio nominal das contas públicas em 2013 e em 2014. Seria um plano coordenado com o Banco Central, que responderia ao equilíbrio das contas baixando os juros de modo que a Selic chegue a 3% no final do mandato de Dilma, com o que também seriam reduzidas as despesas com juros, que estouram as contas nominais.
Se a economia crescer entre 4,5% e 5%, seria então possível reduzir a dívida pública líquida para um nível muito decente de 30% do PIB.
Tirar o investimento do balanço das contas públicas, chegar ao equilíbrio no final do mandato e erradicar a miséria (o que não custa caro, aliás) vai demandar um controle forte de gastos, o equivalente a um superavit primário "cheio", sem truques, de mais de 3% do PIB.
Seria um bom começo.
Amores de verão não sobem a serra. As ideias da transição vão subir a rampa do Palácio do Planalto?
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