Inflação aleija, mas câmbio mata
Nathan Blanche
O Estado de S. Paulo - 08/11/2010
A frase "inflação aleija, mas câmbio mata", do saudoso economista Mário Henrique Simonsen, pode ser aplicada tanto nos movimentos de desvalorização (escassez de divisas) quanto nos de valorização (excessos de dólares) da moeda brasileira. O real forte é resultado dos bons fundamentos conquistados por meio das reformas macro e microeconômicas que tiveram início no final da década de 1980, com destaque para o Plano Real e o primeiro mandato do governo Lula. Esse longo processo resultou no atual tripé da estabilidade da política econômica, que permite o crescimento sustentável: responsabilidade fiscal, metas de inflação e câmbio flutuante. Caso se mantenha a atual linha "desenvolvimentista" e estatizante, por meio da expansão fiscal, e se continue a promover intervenções na política cambial, via restrições tributárias indiscriminadas sobre o influxo de capital estrangeiro e/ou tarifa sobre exportação de commodities (à moda argentina), corre-se o risco de comprometer a credibilidade conquistada até aqui. Enquanto isso, países da zona do euro e os EUA sofrem com o baixo crescimento, o alto nível de desemprego e lutam contra a estagnação ou até um segundo mergulho recessivo. É legítima, portanto, a adoção por esses governos de políticas fiscais e monetárias expansionistas anticíclicas. Com isso, o real não tem sido "filho único" no movimento de valorização em relação ao dólar, uma vez que o Brasil faz parte de um conjunto de países denominados commodity-currency, que está em processo de crescimento. Nos últimos 12 meses o real, o dólar australiano, o rand sul-africano e o dólar neozelandês se apreciaram, respectivamente, 5,3%, 10,7%, 7,9% e 5%. Recentemente, liderados pelos EUA, vários países têm reivindicado que o governo chinês aprecie sua moeda com o objetivo de inibir seus enormes superávits da balança comercial. Para países exportadores de commodities, como o Brasil, a apreciação do yuan pode potencializar uma pressão adicional de valorização de suas moedas. Com esse contexto externo, prometer a combinação de câmbio para cima e juros para baixo é "história da carochinha". Ademais, só para ilustrar, se a taxa de câmbio chegasse a R$ 2/dólar, por exemplo, haveria um impacto de 1 ponto porcentual no IPCA (12 meses). Dessa forma, o Banco Central (BC) seria obrigado a dar um aumento adicional na Selic de cerca de 200 pontos-base para conter o avanço da inflação, "matando" parte do crescimento econômico. O fato é que as grandes restrições ao nosso crescimento são o custo Brasil e o baixo nível de poupança doméstica. Isto é, o crescimento acaba sendo sustentado pelo aumento do déficit em transações correntes. Não há nenhum problema, no curto prazo, em continuar a obter financiamentos para sustentar estes déficits de até 3,5% do PIB. No médio prazo, entretanto, os riscos podem aumentar, pelo fato de o País continuar a ter como mola propulsora do crescimento o consumo e uma política fiscal expansionista. Além disso, apesar do tão criticado nível apreciado do real e mesmo com importações crescendo mais de 40%, as exportações aumentam 28% e o saldo da balança comercial deve ficar positivo em US$ 18 bilhões em 2010. O Brasil, como outros países exportadores de commodities, obteve altos ganhos nos termos de troca, dado o baixo crescimento dos países desenvolvidos. No nosso caso, de janeiro a agosto, o ganho foi de 7,7%. Fator relevante para esses ganhos são as correções automáticas entre a desvalorização do dólar e a valorização dos preços das commodities, o que eleva a competitividade das nossas exportações de commodities e tem influência de baixa nos preços internos. Em relação ao balanço de pagamentos, o superávit gerado por uma conta capital robusta pode ser atribuído à posição relativa favorável do Brasil e à lenta recuperação das economias desenvolvidas, e não ao diferencial de juros, majoritariamente. Pode-se constatar, nos dados abertos do balanço de pagamentos, que as necessidades totais de financiamento da conta corrente e a amortização de médio e de longo prazos em 2010, que somam US$ 79,8 bilhões, serão financiadas por Investimento Estrangeiro Direto (IED) mais investimentos em papéis de longo prazo e ações, mais os empréstimos e financiamentos, no total de US$ 113 bilhões. Essas contas não podem ser qualificadas como "dinheiro ruim" (ou capitais especulativos). Assim, pode-se dizer que a taxa de câmbio apreciada colabora para o forte crescimento econômico do País - que deve alcançar 7,2% neste ano, com inflação de 5%. Mas medidas mais intervencionistas no sentido de tentar controlar o nível da taxa de câmbio em patamar mais depreciado podem dar início à fragilização de dois pilares do crescimento sustentável: responsabilidade fiscal e câmbio flutuante. Continuar neste caminho será rumar para um cenário em que a extinção da liberdade operacional do BC e o fim das metas de inflação poderão começar a ser cogitados. |
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