Estranhamentos Merval Pereira O gesto do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de apoiar a presença permanente da Índia num Conselho de Segurança da ONU reformulado tem como objetivo principal enfraquecer diplomaticamente a China antes da reunião do G-20 na Coreia do Sul, cujo tema central é a chamada “guerra cambial”. Mas atinge diretamente o Brasil, que vem tentando obter dos Estados Unidos uma declaração formal de apoio à sua pretensão de um assento permanente naquele organismo e nunca conseguiu mais do que declarações genéricas e indiretas, desde o governo Bush até hoje. Há uma expectativa por parte do governo dos Estados Unidos sobre o tom que o presidente Lula usará na reunião do G-20 para criticar o que chama de “guerra cambial”. Ainda mais porque estará presente à reunião a presidente eleita, Dilma Rousseff, e a linguagem usada deve indicar a direção que seu governo tomará na política externa. O governo americano avalia que o governo brasileiro tende a culpar mais os Estados Unidos do que a China pelos problemas cambiais que perturbam a economia internacional, e vê essa posição com receio de que represente mais um passo de uma política externa que muitas vezes ganha um tom antiamericano. Há também, por parte dos analistas americanos, a sensação de que certos setores da diplomacia brasileira têm uma visão muito esquematizada da situação mundial, definida como uma tendência definitiva o crescimento do poder da China e o declínio dos Estados Unidos, o que pode levar a decisões equivocadas. Na verdade, o Brasil sai prejudicado tanto com a inundação de dólares que os Estados Unidos vêm promovendo, que desvaloriza cada vez mais a moeda americana e valoriza o real, prejudicando nossas exportações, quanto com a política chinesa de manter sua moeda desvalorizada e assim invadir o mercado brasileiro e latino-americano com produtos baratos. Mas o governo brasileiro tem papel importante nessa crise, pois mantém os juros altos para conter a inflação provocada, em grande parte, pelos gastos governamentais excessivos. A declaração do presidente Barack Obama na Índia tem ainda sutis recados da diplomacia americana que não são dirigidos ao Brasil especificamente, mas servem para que se avaliem os compromissos que os Estados Unidos requerem de um país para apoiar sua pretensão de ter uma representatividade maior nos fóruns internacionais. Entre outras coisas, Obama disse que um país para se candidatar a uma vaga permanente tem que se comprometer a trabalhar para que a autoridade do Conselho de Segurança da ONU seja respeitada pela comunidade internacional. Desse ponto de vista, os Estados Unidos consideram que o Brasil não contribuiu para o fortalecimento da instituição ao votar contra as novas sanções ao Irã, estabelecidas pelas grandes potências no Conselho de Segurança da ONU devido ao seu programa nuclear, em junho passado. Na ocasião, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que agindo assim o país “preservou” sua credibilidade internacional, e que o voto contrário seria “a única posição correta, honrosa e justa de Brasil e Turquia”. Da parte do governo americano, o voto do Brasil foi considerado uma afronta à liderança do presidente Barack Obama, que se esforçou pessoalmente para que houvesse uma decisão unânime sobre as sanções. Já havia causado espanto no Departamento de Estado o vazamento de uma carta de Obama a Lula, como uma tentativa do governo brasileiro de provar que teria negociado com o Irã de acordo com orientações enviadas pelo próprio presidente dos Estados Unidos. Mas uma leitura atenta da carta deixa claro que houve no mínimo um mal-entendido, ou uma tentativa frustrada de criar um fato consumado que favorecesse o Irã. Ao se referir aos termos do acordo anterior, de novembro de 2009, Obama deixava explícito que o objetivo dele era fazer com que o Irã ficasse sem material atômico para produzir a bomba. Está claro que, sem essa precondição, não haveria acordo. Como a proposta do Brasil e da Turquia foi feita em junho, sete meses depois, e exigia a transferência dos mesmo 1.200 quilos de urânio de baixo enriquecimento para fora do país, o efeito seria nulo, pois nesse período o Irã já tivera condições de aumentar seu estoque de urânio. Para ser efetivo, o acordo que o Brasil e Turquia patrocinaram deveria exigir o aumento da remessa de urânio para o exterior por parte do Irã. Recentemente, outro tema voltou a acender uma luz de advertência em Washington: o ministro da Defesa brasileiro, Nelson Jobim, apresentou aos Estados Unidos a discordância do governo brasileiro a qualquer interferência da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no Atlântico Sul, tese que tem mobilizado o governo americano, que levou a ação da Otan ao Afeganistão, por exemplo, utilizando a cláusula que diz que se um dos membros da Organização for atacado, os demais se obrigam a defendê-lo. O governo brasileiro teme que os Estados Unidos possam promover ações multilaterais através da Otan, prescindindo da autorização do Conselho de Segurança da ONU. O Ministro Nelson Jobim já havia anunciado a preocupação brasileira em uma conferência no Instituto de Defesa Nacional, em Lisboa, em setembro. O governo brasileiro tenta convencer membros da Otan parceiros comerciais do Brasil na área militar, como a França (e por isso a importância da compra dos caças modelo Rafale, que deve ser anunciada em breve por Lula) e a Itália, a não aceitarem esse conceito, que parece excessivamente ampliado, permitindo a ação da organização em qualquer parte do mundo e sob pretextos os mais diversos. Por trás dessa posição está a proteção das reservas de petróleo brasileiras, especialmente as localizadas no pré-sal. Como os EUA não ratificaram a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, o governo brasileiro considera que, teoricamente, a Casa Branca não é obrigada a respeitar a plataforma continental de 350 milhas náuticas de distância e os 4.000 quilômetros quadrados de fundos marinhos do Brasil, fixados pela convenção. |
terça-feira, novembro 09, 2010
MERVAL PEREIRA
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