Direitos e deveres
FÁBIO COLLETTI BARBOSA
FOLHA DE SÃO PAULO - 07/11/10
Precisamos cumprir com os nossos deveres para fazer as cobranças que sonhamos. É só isso, mas é tudo isso!
MAL PASSAMOS 30 dias das eleições legislativas e já há gente que não se lembra em quem votou. Isso não acontece por acaso, mas sim porque não estamos acostumados a exercer plenamente a nossa cidadania.
O caminho é longo, mas já vemos evolução positiva desse tema no Brasil. No seu livro "Cidadania no Brasil", o professor José Murilo de Carvalho descreve a evolução desse processo. Em muitos outros países, o caminho foi a conquista dos direitos civis, seguidos pelos direitos políticos e, por fim, pelos direitos sociais. Já por aqui, tivemos um processo distinto, no qual os direitos sociais foram concedidos e até precederam outros. E talvez por isso não sejam tão valorizados e exercidos.
A Constituição de 1988, feita logo após o final do regime militar, foi também chamada de Constituição Cidadã. Como consequência natural das circunstâncias políticas, focou muito na questão dos direitos e pouco na questão dos deveres.
Para ter uma ideia, o professor José Pastore (da USP) contou 76 vezes a palavra direito, ante apenas quatro vezes a palavra dever (no sentido individual).
Já comentei nesta coluna a questão do dever do cidadão. Volto a provocar para refletirmos sobre as atitudes de cada um no dia a dia.
Refletir sobre a tolerância que temos com pequenos delitos, desde jogar o lixo nas ruas, passar pelo acostamento, até a compra de produtos pirata, ou a busca do "atalho" na obtenção da carteira de habilitação, que são encarados como se mal maior não causassem.
Recordo-me de um diálogo que mantive há anos sobre a sonegação praticada por alguém. Essa pessoa se dizia revoltada com relatos de desvios de recursos públicos e por causa disso decidira que o natural seria evitar pagar seus impostos.
Respondi dizendo que, de fato, desviar dinheiro dos cofres públicos era condenável, mas não pagar os impostos e assim deixar de colocar a sua parte no cofre público é também condenável e com o mesmo impacto econômico. Não é isso?
O que quero reforçar é que precisamos praticar a cidadania no dia a dia. Em outras palavras, precisamos cumprir com os nossos deveres, para nos qualificarmos, inclusive em termos morais, a fim de fazermos as cobranças que sonhamos. É só isso, mas é tudo isso!
Vejo espaço para otimismo nesse processo. Numa comparação simples, lembremos que há meros 20 anos foi criado o Código de Defesa do Consumidor. Antes disso, e mesmo no início de sua vigência, os consumidores se acomodavam e aceitavam os produtos e serviços "de qualquer jeito", sem indignação e sem criar canais para manifestar possíveis desconfortos.
Certamente por conta da melhor educação dos consumidores, e por conta de denúncias de casos de abuso, a sociedade se organizou e criou ações de proteção ao consumidor, que foram as bases da criação da Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor, o Procon. Ninguém tem dúvida de que todos saímos ganhando.
É intrigante observar que evoluímos como consumidores na exigência por qualidade em produtos e em serviços, mas quase nada evoluímos quando a questão é cidadania. Apoiamos projetos e propostas de governo por meio de nossos votos e pagamos com os nossos impostos.
Por alguma razão, algum vácuo então se cria, e a partir daí agimos como se nada mais nos fosse devido. Temos, sim, direitos com os nossos representantes, mas eles precisam ser exercidos. Nos EUA, é muito comum os eleitores buscarem seus representantes no Legislativo exigindo posicionamento coerente com o que foi dito na campanha. Aqui, mal lembramos em quem votamos...
A sociedade se mobilizou na defesa dos seus diretos de consumidores, criou um canal que aproxima a empresa do consumidor e que atua muito na busca de maior transparência e coerência entre o que se oferece o que se entrega. Agora, o próximo passo: precisamos pensar em como aproximarmos o cidadão dos seus representantes eleitos. Mas não esperemos que alguém nos traga essa solução pronta. Ela deve ser identificada e conquistada. Só assim terá valor.
FÁBIO COLLETTI BARBOSA, 55, administrador de empresas, é presidente do Grupo Santander Brasil e da Febraban.
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