Dilma ampara um lance de estelionato
ELIO GASPARI
FOLHA DE SÃO PAULO - 07/11/10
D urou exatamente três dias a lorota da redução da carga tributária propagada pelo governo e pela oposição durante a campanha eleitoral. Dilma Rousseff foi eleita no domingo e, na quarta-feira, docemente constrangida, disse que "tenho visto uma mobilização dos governadores" para recriar o imposto do cheque, a falecida CPMF, derrubada pelo Congresso em 2007. Se ela acreditava no que dizia quando pedia votos, anunciaria sua disposição de barrar a criação de um novo imposto. No entanto, disse assim: "Não pretendo enviar ao Congresso a recomposição da CPMF, mas não posso afirmar... Esse país vai ser objeto de um processo de negociação com os governadores." Quando um repórter insistiu, ela se aborreceu: "Considero que essa pergunta já está respondida". Quem entendeu a resposta ganha uma viagem a Cuba.
A "mobilização" vem de pelo menos 13 dos 27 governadores, inclusive o tucano Antonio Anastasia. Nenhum deles, nem ela, teve a honestidade de defender a posição durante a campanha. Tentar empurrar a recriação da CPMF como coisa dos governadores é uma ofensa à inteligência do eleitorado que deu 55 milhões à doutora Rousseff. Se ela começa o governo com tamanha passividade, vem coisa pior por aí. É preferível supor que a doutora soubesse da iniciativa, concordando com ela, desde que as cartas rolassem por baixo da mesa.
Dilma aceitou a enganação e perfilhará a ressurreição de um imposto derrubado pelo Congresso. Pior: um imposto em cascata, pois uma transação que envolve cinco cheques será taxada cinco vezes com a alíquota de 0,1%.
O apoio de Anastasia e a bancada do silêncio confirmam que o PSDB é capaz de tudo, menos de fazer oposição. Afinal, a CPMF foi criada e desvirtuada pela ekipekonômica tucana. Em 2007, três governadores do PSDB trabalharam contra sua derrubada. O comissário José Eduardo Dutra assegura: "Todos, eu disse todos, os governadores são a favor da CPMF." Todos, inclusive Dutra, preferiram o lance de estelionato eleitoral.
Conselho de pai é bom, mas pode sair caro
Vem aí o filme "A Rede Social" que conta a aventura da criação do Facebook, em 2004, por Mark Zuckerberg, um garoto desinteressante da Universidade Harvard. A narrativa privilegia a versão de Eduardo Saverin, o sócio-fundador brasileiro, que foi escanteado um ano depois, com o equivalente a US$ 1,3 bilhão no bolso. Zuckerberg recusou-se a falar com o autor do livro "Milionários Acidentais", que serviu de base para o filme.
O fenômeno Facebook, que fez de Zuckerberg um dos homens mais ricos do mundo, tem um lição para os pais que se metem na vida dos filhos depois que eles estão na universidade.
Quando Zuckerberg encrencou-se em Harvard por montar um site que servia, entre outras coisas, para paqueras, tinha um vizinho de dormitório como parceiro. Chamava-se Joe Green. Diante da confusão, seu pai (professor de matemática na Universidade da Califórnia) exigiu que se afastasse daquele jovem trapalhão. Um dia Zuckerberg ofereceu-lhe sociedade no projeto do Facebook, em troca de um investimento de US$ 1 mil. Green seguiu o conselho do pai e ficou fora. Foi um dos palpites mais caros da história.
Outro garoto aceitou. Chamava-se Saverin. A turma de Zuckerberg acredita que foi seu pai quem o estimulou a desafiar o sócio. Felizmente, quando brigou, já era dono de um pedaço do negócio.
Saverin foi visto tocando negócios em Singapura, sempre evitando ser transformado no "Quinto Beatle". Essa urucubaca nasceu com Pete Best. Até 1962, ele era o baterista de um conjunto desconhecido, até que foi substituído por Ringo Starr.
Academia Rousseff
Está aberto o Curso Rousseff de sabedoria universal. Ao condenar a guerra cambial, a presidente eleita ensinou: "Quando começam com uma política de desvalorização competitiva, deu no que deu: a Segunda Guerra Mundial".
Tudo bem. Se Adolf Hitler, bem como o expansionismo alemão foram apenas surtos neurastênicos da subjetividade humana e o conflito foi provocado por fatores econômicos, falta explicar porque a Terceira Guerra Mundial não começou em 1971, quando o presidente americano Richard Nixon abandonou o padrão-ouro do dólar e iniciou um processo de desvalorização que comeu 18% do valor da sua moeda.
Retrato da Corte
Um deputado federal disputou a reeleição em seu Estado e registrou que recebeu, no máximo, uma dúzia de pedidos de empregos triviais de eleitores, para parentes necessitados.
O doutor reelegeu-se e na semana passada foi a Brasília. Passou 14 horas na Câmara e contou nove pedidos de nomeações, das boas. Decidiu fugir de volta para sua cidade.
Bush em forma
George W. Bush deixou a Presidência pela porta do infortúnio, mas na terça-feira entrará no mercado editorial pela da frente.
Seu livro de memórias ("Decision Points") virá em duas edições. Uma no papel e outra eletrônica. Uma versão do e-book para tabuletas iPad trará não só o texto, como vídeos, áudios, 200 fotografias e reproduções de documentos. Tudo isso por US$ 9,99 (R$ 17,00).
(Pelo cheiro da brilhantina, o livro é pedestre, mas também não se pode querer tudo.)
A voz da Cúria
A entrada do Papa Bento XVI na ofensiva de religiosidade desencadeada às vésperas da eleição mostrou o prestígio da ala conservadora da Igreja Católica brasileira junto à Cúria romana. Ela não teve o efeito que se esperava e, diante do resultado, ficou uma dúvida: será que houve um erro de cálculo em relação ao momento em que o Papa entrou em cena?
O atual expoente da corrente conservadora no episcopado é o cardeal Odilo Scherer, de São Paulo. Não só pela importância de sua arquidiocese, como também pelas boas relações na Cúria. D. Odilo é o quinto cardeal brasileiro saído do catolicismo dos imigrantes alemães que chegaram ao Brasil entre o final do século XIX e o início do XX. Antes dele, outro Scherer (Vicente) foi cardeal e arcebispo de Porto Alegre.
Há algum parafuso frouxo na maneira como Roma trata o clero brasileiro. Em outubro, o Papa nomeou cardeal o bispo de Aparecida, D. Geraldo Damasceno. Esqueceu-se de D. Orani Tempesta, arcebispo do Rio. Desde 1905, quando Pio X deu o barrete ao cardeal Arcoverde, o titular da Sé do Rio sempre foi nomeado cardeal pouco depois de receber o pálio.
Surgiu uma explicação pagã: Roma não queria dois brasileiros na lista.
De Obama.edu para Dilma.gov: Companheira, nós nos falamos na segunda e esqueci de mencionar que, ao ser eleito, tinha que escolher entre três nomes para cuidar da economia: Timothy Geithner, Lawrence Summers e Paul Volcker. Dei um jeito, botei um na Secretaria do Tesouro e acomodei os outros dois no governo. Na noite de terça recebi a conta, mandada pelos eleitores. Saudações do Barack.
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