As batatas quentes do presidente "x"
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 21/10/10
Novo governo vai enfrentar risco de inflação maior, juro maior, real mais forte e Orçamento estourado
MUITO ECONOMISTA que trabalha para consultorias e instituições financeiras sentiu-se vingado com a prévia da inflação "oficial", do IPCA, divulgada ontem. Alguns até revisaram para cima suas estimativas de inflação para 2010 e 2011.
"Vingado" porque esses economistas acreditam que a estabilidade de preços de meados do ano até agora seria transitória, opinião que não foi compartilhada pelo Banco Central. Desde julho, o BC passou a dizer que a alta da inflação do início do ano é que havia sido extraordinária e passageira. A partir de então, os povos do mercado e o pessoal do BC andaram meio às turras.
Esses economistas acreditam que o BC não apenas está errado como solapa sua própria credibilidade. E daí? Daí que, em tese, um BC menos respeitável tem de usar armas de calibre mais grosso para matar o mesmo passarinho inflacionário que um BC mais confiável poderia derrubar com um tiro de chumbinho. Isto é, teria de recorrer a taxas de juros mais altas do que em períodos de credibilidade maior da política monetária, como diz o jargão.
O BC, por sua vez, acreditava que já havia elevado os juros o bastante e que os efeitos das altas do primeiro semestre seriam mais notados a partir deste trimestre final do ano (esta coluna foi escrita antes de sair a decisão sobre juros de ontem).
Um tanto divertido é que alguns desses economistas que ontem voltavam a espezinhar o BC haviam amainado suas críticas por volta de setembro, pois o IPCA até então não subira como previsto. Mas isso é intriga, passemos.
O problema sério mesmo é a inflação voltar a subir de fato. Se a "credibilidade" do BC será arranhada é assunto mais bizantino, até porque em janeiro haverá nova administração. Uma inflação mais alta vai tornar ainda mais tenso o debate sobre o que fazer da valorização do real e dos gastos públicos -e mais incerto o destino da política econômica.
Se o BC tiver de elevar os juros na última reunião restante do Copom do governo Lula e no início do governo "x", vai para as cucuias a presente política de impedir valorização do real por meio de medidas moderadas de controle da entrada de capital. Não se trata de dizer aqui se tais medidas são ou não eficientes. Mas juros mais altos vão compensar as perdas devidas a aumentos de impostos sobre a entrada de capital. Deixar a inflação solta, além de loucura em si, tem efeitos tão ruins na competitividade dos produtos brasileiros quanto o real forte (o câmbio real piora).
Corte de gastos do governo podem reduzir a inflação, mas não tão cedo. Podem evitar valorização maior do real, mas definitivamente não no curto prazo. Há decerto várias outras razões para um ajuste fiscal imediato, mas isso não resolve problemas no curto prazo.
Enfim, uma inflação mais alta será apenas uma das batatas quentes na mão do próximo governo. Haverá real tão ou mais forte que agora, um Orçamento que não cabe na promessa de superavit primário e juros mais altos na praça do mercado, afora o cenário externo ruinzinho e todas as promessas de estourar o Orçamento, feitas na campanha tanto por governo como oposição.
Não haverá catástrofe, por favor, mas o clima não vai estar lá muito bom. Dos males, o menor seria gastar o prestígio de presidente novo em folha num ajuste fiscal pesado.
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