Real, dólar, kiwi e Serra
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/10/10
Governo pensa em nova intervenção no câmbio; mercado faz mistura doida de eleição com taxa de juro
SIM, O GOVERNO pode tirar da sua caixa de ferramentas cambiais medidas que encareçam o custo e aumentem o risco de fazer negócios com dólar na BM&F. Isto é, entre outras coisas, cogita dar um jeito de aumentar a "margem" de garantia para operações de câmbio na Bolsa (grosso modo, um depósito variável e proporcional ao valor de base do negócio em questão).
Gentes do governo (Banco Central incluído) dizem que não têm a menor ideia de quando tal medida seria tomada. Tal mudança "não funciona sozinha". Seria acompanhada de "outras". Quais? Silêncio.
Enfatizam que "medidas adicionais" seriam tomadas depois de "uma avaliação completa" do efeito do aumento do imposto sobre aplicações financeiras de não residentes ("estrangeiros"), o incremento da alíquota do IOF de 2% para 4%.
Segundo outros integrantes do governo, menos amigos de intervenções, tal avaliação dificilmente ocorreria antes de "eventos importantes": a reunião do banco central dos EUA, o Fed, no início de novembro, e a reunião dos países do G20, nos dias 11 e 12 na Coreia do Sul.
Não se deve decidir coisa alguma na reunião do G20, mas deve haver pelo menos alguma conversa, ainda que hipócrita, sobre "cooperação internacional" em relação a taxas de câmbio. No mínimo, será possível "sentir o clima" no que diz respeito ao futuro das "guerras cambiais", por enquanto mais escaramuças do que batalhas, com exceção do caso dos Estados Unidos e da China.
O pessoal do governo tem, pois, ideias ainda contraditórias sobre o que fazer do real forte. Pode também estar soltando balões de ensaio a fim de causar insegurança no mercado e evitar no grito mais apreciação cambial (o que não funciona muito mais que um dia ou horas).
EUA e China, os valentões cambiais do planeta, causam o presente alvoroço monetário mundial.
O dólar desce a ladeira porque governo e Fed despejam dinheiro na economia meio moribunda e também porque os americanos não poupam. A China cola sua moeda no dólar, mantendo-a muito desvalorizada, o que estimula ainda mais suas exportações. Assim, a China "furta" mercados, "compra demanda" para seus produtos. Esse "assim" não é lá muito preciso, pois a China exporta "demais" porque poupa: tem muito excedente (o que, aliás, permite manter o yuan desvalorizado).
Como os valentões cambiais não resolvem sua simbiose sinistra, o excesso de dinheiro "impresso" pelos países ricos a fim de tentar ressuscitar suas economias flui para o resto do planeta. As demais moedas relevantes se valorizam. Pode haver bolhas financeiras ou imobiliárias -na Ásia, há inflação imobiliária.
Dado o tamanho de EUA e China, fica difícil imaginar medida isolada que dê jeito no real forte. Seria preciso uma combinação de medidas "regulatórias" com um grande corte de gastos do governo, seguido de baixa de juros. Ainda assim, é preciso pagar para ver o efeito.
Os juros futuros caíram ontem na praça. Dizem que foi o "efeito Serra", a subida do tucano em pesquisa divulgada ontem. "Serra presidente" reduziria o gasto público e, assim, os juros cairiam, diz gente do mercado. Parece delírio, até porque Serra tem prometido estourar os gastos da Previdência. Como é delírio, é pois possível que o mercado acredite mesmo no que diz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário