Reforma política já!
Ruy Martins Altenfelder Silva
O Estado de S.Paulo - 19/10/10
O tradicional e respeitado Instituto dos Advogados de São Paulo promoveu oportuna e proveitosa mesa de debates focando o tema Ética, Política e Democracia. Convidado por sua presidente, professora Ivette Senise Ferreira, participei da mesa, debatendo o tema com os juristas Antonio José da Costa, Elias Farah e Paulo Henrique dos Santos Lucon.
Com base nas pesquisas de opinião procurei desenvolver as causas do descrédito em que caíram as autoridades e as instituições dos três Poderes, consequência dos péssimos serviços oferecidos aos contribuintes e dos escândalos que pipocam com assustadora regularidade e acabam, como a voz das ruas batizou, em pizza. A perniciosa corrente de tolerância com a corrupção, o empreguismo desenfreado, o compadrio, a irresponsabilidade com as verbas públicas, o conjunto de abusos que configuram flagrante desrespeito ao cidadão, a impunidade exigem providências urgentes. A grande esperança está nos eleitos em 3 de outubro, que terão a grave responsabilidade de restaurar a confiança dos cidadãos. Vem a propósito lembrar o diálogo entre dois personagens do dramaturgo alemão Bertolt Brecht na peça Vida de Galileu. Um deles afirma enfaticamente: "Infeliz do país que não tem heróis." E o outro rebate: "Não, amigo, infeliz do país que precisa de heróis." Os intermitentes casos de corrupção nos 500 anos de História e os problemas que ainda ocorrem no cotidiano nacional demonstram que o Brasil - apesar de todos os esforços e avanços verificados na ética e na valorização da cidadania -, lamentavelmente, ainda se enquadram no segundo caso.
Seria muita ingenuidade supor que alguma nação consiga ter pleno êxito em suas metas de desenvolvimento, numa era cujo principal ícone é a consciência ética, sem que o princípio fundamental da ética esteja fortemente arraigado em todas as instituições. À humanidade do século 21 não interessam só as promessas de facilidades, progresso econômico, tecnologia de ponta e conforto contidas no ideário comunitário. Ser ético, correto e honesto é essencial.
O arcebispo de Lyon, monsenhor Phillipe Barbarin, em recente trabalho, respondendo a pergunta sobre quais as condições de um exercício ético de poder, afirmou que em primeiro lugar está a retidão interior, depois o respeito às regras da sociedade e, sobretudo, o bem comum daqueles pelos quais somos responsáveis (in Denis Lafay, A Sociedade, a Economia, a Política, a Empresa, pág. 35).
A propaganda eleitoral no rádio e na televisão a que assistimos foi simplesmente lamentável. Os levantamentos indicam que foram muitos, a grande maioria, os aparelhos desligados no horário eleitoral. O recado é claro e lógico: reforma política já! Ela é a mãe de todas as reformas, a que pode transformar nosso futuro como nação.
De quem é a culpa pelo atual sistema político? Concordo com a opinião de Frei Betto: para mim, os principais culpados são os partidos que aceitam filiações irresponsáveis, funcionam como legendas de aluguel, abrem as portas aos arrecadadores de votos, meros candidatos iscas para robustecer a bancada partidária no Poder Legislativo (Correio Braziliense, 24/9, pág. 17). A verdade é que os partidos políticos são cada vez menos representativos da comunidade. Representam a si mesmos. Vivem descolados da base social. O Brasil precisa com urgência passar a limpo o atual sistema político e reformá-lo. Os políticos precisam se conscientizar de que a "cidadania virou gente", na feliz expressão do professor José Murilo de Carvalho (Cidadania no Brasil).
A legislação posterior à de 1985 foi liberal. Enquanto o regime militar colocava obstáculos à organização e ao funcionamento dos partidos políticos, a atual é pouco restritiva. O número de partidos cresceu desordenadamente. Em 1979 existiam dois partidos em funcionamento; em 1986, 29; e hoje, mais de 30! É preciso, sob o aspecto da estrutura institucional, corrigir a distorção regional da representação popular. Temas relevantes permanecem na pauta da reforma do sistema político: alteração do sistema eleitoral, redução do número de partidos, reforço da fidelidade partidária e da fidelidade ao voto, eleição direta de todos os vices, redução do mandato de senador para quatro anos e modificação do atual sistema de substituição pelo candidato ao Senado mais votado, proibição de reeleição dos parlamentares após dois mandatos, a introdução de um sistema eleitoral que combine o critério proporcional em vigor com o majoritário, aproximando mais os representantes dos seus eleitores e reforçando a disciplina partidária. Outro tema relevante é o relativo ao financiamento das campanhas eleitorais: não é possível que a cada eleição tenhamos de assistir a mazelas em razão de problemas relacionados com esse financiamento.
A introdução do voto distrital nisto, acoplado ao financiamento público das campanhas, parece-me uma solução mais condizente com o regime democrático de governo. Outro ponto que merece reflexão é o relacionado às coligações partidárias nas eleições proporcionais. Veja-se o que aconteceu nesta eleição, em que um único candidato - o palhaço Tiririca, com quase 1,5 milhão de votos - elegeu mais três da sua coligação com votação inferior à de muitos outros que não conseguiram eleger-se.
A cidadania virou gente. A discussão urgente de uma agenda de reforma política é inadiável.
A verdadeira força de governantes e impérios, no dizer de H. G. Wells, não reside nos exércitos e nas armadas, mas no fato de os homens acreditarem que eles são inflexivelmente abertos, verdadeiros e legais. No momento em que se afastam desse padrão, os governos passam a ser apenas a "gangue no poder" e seus dias estão contados.
PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS JURÍDICAS.
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