RUY CASTRO
Por dentro da tragédia
FOLHA DE SÃO PAULO - 30/10/10
RIO DE JANEIRO - Esta semana, assisti com grande atraso ao documentário "102 Minutos que Abalaram o Mundo", do History Channel. Trata do atentado ao World Trade Center, em Nova York, a 11 de setembro de 2001, e foi feito a partir dos sons e imagens captados por celulares e câmeras de populares na área da tragédia -apavorantemente ao vivo. Leva-nos para o centro dela, como nunca antes.
Fez-me rever meus conceitos sobre o século 20 como o mais documentado da história. Até então eu me regozijava por viver numa época em que quase tudo que aconteceu desde 1900 teve alguma espécie de registro, em foto, filme, disco, desenho, vídeo etc. A frase continua valendo, mas quanto disso sobreviveu e chegou até nós?
Oitenta por cento dos filmes mudos, pré-1929, se perderam -até mesmo nos EUA, incluindo alguns de Greta Garbo-, assim como 99% do material filmado para cinejornais. No Brasil, essa perda se estendeu por décadas. Dos seis filmes que Carmen Miranda rodou aqui nos anos 30, só restou "Alô, Alô, Carnaval!". Que imagens de Garrincha você conhece, exceto duas ou três, manjadas, de 1962? E, ao ver hoje cenas das passeatas de 1968, tem-se a impressão de que, juntamente com os estudantes, elas também foram pisoteadas pelos cavalos da PM na porta da Candelária.
Já o que está sendo registrado em nosso tempo periga durar para sempre, não pela indestrutibilidade das mídias, mas pela quantidade de registros. Todo mundo está agora acoplado a uma câmara. O 11/9 foi há nove anos, quando o número de filmadoras em celular era ínfimo se comparado ao atual. Mesmo assim, o History Channel produziu quase duas horas de horrível emoção sem recorrer ao material das grandes redes de TV.
Pelo visto, o que ainda vem por aí em matéria de registro e documentação ameaça despachar o século 20 para o século 13.
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