Visão curta
Miriam Leitão
O Globo - 22/10/2010
O Ministério da Fazenda fez bem em pôr uma tranca em uma das portas pelas quais entram dólares na economia brasileira, mas o efeito não vai durar por muito tempo, o mercado vai contornar essa alta do IOF e muitas distorções vão resultar do aumento de imposto. É uma pena que o ministro não tenha sido apresentado à teoria que tem solução mais permanente para o problema: o controle dos gastos.
Por enquanto o governo está improvisando e há limite para os improvisos no mercado de câmbio. O IOF não pode subir muito porque diminuirá a demanda de investidores por títulos públicos. Como o apetite maior dos investidores externos é por títulos mais longos, isso levará a um encurtamento da dívida e elevação de juros de longo prazo. Além disso, o aumento do IOF sobre negociações no mercado futuro vai na contramão do mundo: empurram investidores para negociações de balcão, que não têm transparência nem supervisão.
O ministro Guido Mantega na semana passada disse que o gasto público não causa inflação. Numa hora em que o país está crescendo a 8%, as famílias estão se endividando como nunca para comprar mais, o governo acha que pode turbinar a demanda agregada com ampliação de gastos.
Espantoso para usar uma palavra educada.
Se é essa a convicção das autoridades que deveriam ter como preocupação o controle das contas, não se deve esperar, pelo menos a curto prazo, que o país entre no caminho da redução sustentável dos juros a níveis bem mais baixos que os atuais. E a melhor forma de evitar a entrada de dólares indesejados não é elevando o IOF, mas diminuindo os juros para reduzir o diferencial das taxas entre a economia brasileira e o resto do mundo. Com um prêmio menor, menos investidores estrangeiros viriam ao país em busca do lucro fácil.
Todo mundo se lembra das operações com câmbio feitas pela Aracruz e pela Sadia, que resultaram em perdas de mais de R$ 7 bilhões às duas empresas no final de 2008. Foram firmados contratos que apostavam na valorização do real contra o dólar. Mas esses contratos foram “de balcão”, negociados e firmados por duas partes, com pouca fiscalização. O resultado é que os próprios acionistas das empresas não sabiam o que estava acontecendo.
Deu no que deu.
Elas foram resgatadas com empréstimos de banco público.
O aumento do IOF pesou sobre as chamadas de margem no mercado futuro e deve incentivar mais negócios de balcão.
O Banco Central manteve na quarta-feira os juros inalterados, em 10,75%, e as apostas são de manutenção também na última reunião do ano, em dezembro. O problema é que a expectativa de inflação para os próximos 12 meses, medida pelo Boletim Focu s, aponta 5,19%, acima do centro da meta e esta é a previsão também para 2011. O IGPM deve fechar 2010 perto de 10% e vai pressionar os serviços no ano que vem.
O real está em torno de R$ 1,69. Se as medidas fizerem efeito e o dólar subir, isso pode ter impacto inflacionário; se as medidas não funcionarem e o dólar continuar a cair, aumentará a pressão sobre a indústria local.
A MB Associados aposta que a taxa pode voltar a subir antes do que estava previsto: “Manter a expectativa de inflação muito acima da meta dificulta trazê-la novamente para 4,5%. Por isso, o BC poderá subir a Selic talvez antes do que se imaginava, mesmo com a pressão que isso possa trazer na taxa de câmbio”, afirmou.
O problema é que na perspectiva de uma mudança de governo, o grau de incerteza sobre política monetária é muito alto.
A demanda acelerada tem sido atendida em grande parte pelos importados.
Com isso, já há projeções de que o déficit em conta corrente saia de US$ 50 bilhões, este ano, para US$ 100 bilhões no ano que vem. Está aumentando a dependência da entrada de capital. Se a Fazenda tiver muito sucesso na tentativa de deter a entrada de investimento especulativo pode ter dificuldade de financiar o déficit externo.
O economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio Leal, acha que o país não está aproveitando o bom momento para fazer a coisa certa, segurar gastos: — Há uma frase do megainvestidor Warren Buffett que se encaixa perfeitamente no atual momento: Quando a maré baixa é que se descobre quem estava nadando sem roupa. Hoje, o mundo está com excesso de dólares e eles estão vindo para o Brasil, mas não será sempre assim. Temos que nos preparar — afirmou.
Desarmar essa armadilha não será tarefa trivial. A pessoa que assumir o governo em janeiro do próximo ano encontrará pressões de todo o tipo, principalmente por soluções erradas.
A indústria tem pedido mais protecionismo, mas isso só cria mais distorções.
Se os juros forem reduzidos por imposição presidencial num contexto de demanda aquecida, inflação em alta e aumento de gastos públicos será muito pior. O que agrava o quadro é o fato de as contas públicas estarem cada vez mais maquiadas. Mônica de Bolle, da Galanto Consultoria, chama disso de “argentinização das contas públicas brasileiras”, referindose ao fato de que hoje ninguém mais acredita nos indicadores econômicos argentinos porque eles têm sido falsificados.
Mônica acha que o governo fez bem em subir o IOF contra capital de curto prazo: — Ele não podia ficar parado olhando o real subir.
Mas dificilmente isso resolverá o problema.
O IOF é apenas uma ponte para a solução definitiva, que só poderá ser o terreno firme do ajuste fiscal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário