Instituições democráticas e tolerância
EDITORIAL
O GLOBO - 03/10/10
A sexta eleição presidencial direta consecutiva, com escolha de governadores e renovação de casas legislativas federais e estaduais, merece ser comemorada como uma reafirmação da opção da sociedade pela democracia representativa.
O país completa o período de um quarto de século, sem interrupções, dentro dos marcos de um regime republicano. Sequer a votação do impeachment de um presidente, Collor, foi capaz de produzir algum curto-circuito grave.
Lula encerrará em 90 dias oito anos de uma experiência, também histórica, durante a qual uma eclética aliança política liderada pela esquerda governou o país sem maiores sustos.
Também devido a este ecletismo, o regime democrático e suas instituições foram testados na Era Lula, e demonstraram solidez. Grupos de esquerda autoritária abrigados nesta aliança não deixaram de trabalhar em prol da tutela da sociedade pelo Estado. Suas impressões digitais na campanha eleitoral foram percebidas quando Dilma Rousseff encaminhou à Justiça, como programa de governo, algumas propostas destiladas nesses laboratório do autoritarismo. Em boa hora, a candidata recolheu o documento.
A campanha do primeiro turno foi pautada pela atuação de um presidente decidido a eleger sua candidata mesmo contra a legislação eleitoral. Mais uma vez, os pesos e contrapesos da democracia atuaram. Houve admoestações e multas, pela insistência com que Lula confundiu o papel de chefe de governo com o de líder partidário e cabo eleitoral.
Ávido em fazer o sucessor, Lula se arvorou em “dono” da opinião pública e confundiu notícia com os agentes dela, quando foi conivente com o desengavetamento da exótica acusação contra a imprensa profissional de “golpismo”, artifício dissimulador já acionado no mensalão e no caso dos aloprados. Uma imprensa partidária e/ou dependente de verbas oficiais encontra motivos — embora deploráveis — para não divulgar certas informações.
Mas o jornalismo independente, cuja razão de ser é a credibilidade, jamais fingirá que inexistem malfeitorias em Brasília ou em qualquer outro lugar, mesmo contra os interesses dos poderosos de ocasião.
Numa campanha em que regras rígidas estabelecidas pelos candidatos aos debates na TV impediram, mais uma vez, o aprofundamento da discussão de temas estratégicos, os marqueteiros continuaram a ocupar grande e indesejado espaço. Espera-se que um dia haja uma eleição no Brasil em que candidatos possam esgrimir argumentos como nas campanhas americanas, se mostrem por inteiro. Por tudo, as liberdades de expressão e imprensa estiveram no centro da campanha do primeiro turno.
Com acerto, Dilma Rousseff, na condição de quem sofreu violência desmedida de um estado ditatorial, perfilou-se entre os defensores das liberdades. Não podia ser diferente. Também aqui as instituições mostraram a necessária força, quando o Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo à arguição da Abert (associação de emissoras de TV e rádio), tirou a mordaça do humorismo e do jornalismo político na mídia eletrônica em época de campanha. Entre as tendências detectadas pelas pesquisas, prevê-se, nas eleições proporcionais, a a formação, no Congresso, de uma sólida bancada lulopetista e de aliados. Ponto importante a observar, confirmado o cenário, é o que fará esta bancada: se testará limites constitucionais, senha para a deflagração de tensões desnecessárias, ou não. O encolhimento da mancha tucana no mapa político nacional, por sua vez, coloca na agenda do PSDB, mesmo se Serra vier a ser presidente, a crise de identidade do partido: resgata no passado o projeto modernizante exitoso de FH ou insiste na linha de ser uma força paralela ao petismo, apenas com uma suposta competência técnica mais apurada? Fecha a radiografia das urnas, tudo indica, a boa notícia do avanço da agenda verde de Marina Silva, tema do futuro mas que precisa ser debatido já. Haja o que houver na disputa entre Dilma, Serra e Marina, o país que sai do primeiro turno demonstra que nada justifica buscar a hegemonia política a qualquer preço. Quando isto ocorre, os anticorpos da democracia reagem. Neste sentido, a campanha reafirmou a imperiosa necessidade da tolerância e convivência entre contrários, como nos últimos 25 anos.
A necessária convivência pacífica entre contrários
O país completa o período de um quarto de século, sem interrupções, dentro dos marcos de um regime republicano. Sequer a votação do impeachment de um presidente, Collor, foi capaz de produzir algum curto-circuito grave.
Lula encerrará em 90 dias oito anos de uma experiência, também histórica, durante a qual uma eclética aliança política liderada pela esquerda governou o país sem maiores sustos.
Também devido a este ecletismo, o regime democrático e suas instituições foram testados na Era Lula, e demonstraram solidez. Grupos de esquerda autoritária abrigados nesta aliança não deixaram de trabalhar em prol da tutela da sociedade pelo Estado. Suas impressões digitais na campanha eleitoral foram percebidas quando Dilma Rousseff encaminhou à Justiça, como programa de governo, algumas propostas destiladas nesses laboratório do autoritarismo. Em boa hora, a candidata recolheu o documento.
A campanha do primeiro turno foi pautada pela atuação de um presidente decidido a eleger sua candidata mesmo contra a legislação eleitoral. Mais uma vez, os pesos e contrapesos da democracia atuaram. Houve admoestações e multas, pela insistência com que Lula confundiu o papel de chefe de governo com o de líder partidário e cabo eleitoral.
Ávido em fazer o sucessor, Lula se arvorou em “dono” da opinião pública e confundiu notícia com os agentes dela, quando foi conivente com o desengavetamento da exótica acusação contra a imprensa profissional de “golpismo”, artifício dissimulador já acionado no mensalão e no caso dos aloprados. Uma imprensa partidária e/ou dependente de verbas oficiais encontra motivos — embora deploráveis — para não divulgar certas informações.
Mas o jornalismo independente, cuja razão de ser é a credibilidade, jamais fingirá que inexistem malfeitorias em Brasília ou em qualquer outro lugar, mesmo contra os interesses dos poderosos de ocasião.
Numa campanha em que regras rígidas estabelecidas pelos candidatos aos debates na TV impediram, mais uma vez, o aprofundamento da discussão de temas estratégicos, os marqueteiros continuaram a ocupar grande e indesejado espaço. Espera-se que um dia haja uma eleição no Brasil em que candidatos possam esgrimir argumentos como nas campanhas americanas, se mostrem por inteiro. Por tudo, as liberdades de expressão e imprensa estiveram no centro da campanha do primeiro turno.
Com acerto, Dilma Rousseff, na condição de quem sofreu violência desmedida de um estado ditatorial, perfilou-se entre os defensores das liberdades. Não podia ser diferente. Também aqui as instituições mostraram a necessária força, quando o Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo à arguição da Abert (associação de emissoras de TV e rádio), tirou a mordaça do humorismo e do jornalismo político na mídia eletrônica em época de campanha. Entre as tendências detectadas pelas pesquisas, prevê-se, nas eleições proporcionais, a a formação, no Congresso, de uma sólida bancada lulopetista e de aliados. Ponto importante a observar, confirmado o cenário, é o que fará esta bancada: se testará limites constitucionais, senha para a deflagração de tensões desnecessárias, ou não. O encolhimento da mancha tucana no mapa político nacional, por sua vez, coloca na agenda do PSDB, mesmo se Serra vier a ser presidente, a crise de identidade do partido: resgata no passado o projeto modernizante exitoso de FH ou insiste na linha de ser uma força paralela ao petismo, apenas com uma suposta competência técnica mais apurada? Fecha a radiografia das urnas, tudo indica, a boa notícia do avanço da agenda verde de Marina Silva, tema do futuro mas que precisa ser debatido já. Haja o que houver na disputa entre Dilma, Serra e Marina, o país que sai do primeiro turno demonstra que nada justifica buscar a hegemonia política a qualquer preço. Quando isto ocorre, os anticorpos da democracia reagem. Neste sentido, a campanha reafirmou a imperiosa necessidade da tolerância e convivência entre contrários, como nos últimos 25 anos.
A necessária convivência pacífica entre contrários
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