Pijama e capa preta
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 24/09/10
Poucos meses depois do suicídio de Getulio Vargas, em agosto de 1954, o presidente Café Filho abriu o palácio do Catete para visitas ao quarto onde Getulio se matara. Meu pai me tomou pela mão e fomos de bonde até lá. Não que ele simpatizasse com Getulio. Ao contrário, tinha-lhe horror desde 1937, gostava mesmo era de Carlos Lacerda. Acho que só queria certificar-se de que Getulio morrera de verdade.
Na minha memória de garoto de seis anos, ficou a imagem da cama cercada por uma corda verde-amarela e o pijama listrado, dobrado sobre a colcha creme. Mas o pijama pode ser uma ilusão da memória. De tanto ver na Cruzeiro as fotos do peito nu de Getulio e do paletó de pijama, ambos chamuscados e com o buraco da bala, o pijama exposto ao público seria, talvez, imaginação.
Naquela época, para mim o pijama de Getulio só tinha paralelo nos jornais com a capa preta de Tenório Cavalcanti. Tenório era deputado federal, dono do jornal popular A Luta Democrática e morava numa casa-fortaleza em Caxias (RJ). Vivia sofrendo atentados, aos quais respondia com a metralhadora, chamada 'Lourdinha', que escondia sob uma sinistra capa coimbrã.
Enquanto um único tiro matara Getulio, dizia-se de Tenório que tinha 47 marcas de balas no corpo, fora as facadas. Era a capa que o tornava inexpugnável e, de tanto ser fotografada, ficou famosa. Certa vez, na Câmara, tirou dela um revólver e o apontou para seu colega, o jovem Antonio Carlos Magalhães, que o chamara de ladrão. O futuro ACM foi poupado porque teve incontinência urinária.
A capa dava a Tenório um quê de Zorro da Baixada Fluminense. Pois acabo de saber que, nos anos 80, o lendário Tenório, já aposentado, deixava seu neto, Fabio Tenório, brincar de Zorro com ela pelos corredores da fortaleza. Que mimo. Nenhum símbolo dura para sempre.
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