Redes estrangeiras e o ensino superior
MARIA BEATRIZ DE CARVALHO M. LOBO e ROBERTO LEAL LOBO E SILVA FILHO
FOLHA DE SÃO PAULO - 24/09/10
Esse grande mercado de massa que o Brasil precisa formar em nível superior deve ser atendido por um modelo de grandes redes?
O ensino superior brasileiro, após um longo período de estagnação e um crescimento médio, até 1996, de cerca de 1,3% ao ano, passou por amplo processo de crescimento, chegando a atingir 17% em 2000. Esse período se caracterizou pela ampliação do setor privado.
Ao contrário do que fizeram, por exemplo, os EUA (que criaram centenas de faculdades regionais públicas, chamadas de community colleges), o sistema público brasileiro cresceu em duas direções: as universidades de pesquisa (nem sempre fazendo jus à denominação) e os centros de formação tecnológica (como alternativa profissionalizante, atendendo à população menos favorecida, em geral).
O sistema público não quis atuar no setor das profissões tradicionais, com cursos mais baratos, noturnos, poucos professores titulados e prioritariamente em tempo parcial. As instituições privadas, a maioria particular, acabaram por assumir, com esse modelo, a formação superior, suprindo demanda academicamente menos preparada, em geral, e financeiramente mais frágil.
Esse mercado se tornou promissor para grupos, alguns com capital internacional, que viram aí uma oportunidade para expandir fortemente suas fronteiras.
Embora a expansão do ensino superior tenha se reduzido significativamente a partir de 2007-o que pareceria desaconselhar novos investimentos na área-, para esses grupos as condições ainda se mantêm atraentes.
Isso porque sua expansão em altos índices vem sendo mantida pela compra de universidades e de faculdades regionais, muitas vezes familiares e/ou com gestão pouco profissionalizada.
O ensino superior de massa torna-se negócio atrativo para as grandes redes pela possibilidade de ganhos de escala, com incremento do número de alunos, atraídos pelos preços da mensalidade e do material didático, localização e investimentos em marketing agressivo.
O mesmo se deu, por exemplo, com as redes de supermercado que se expandiram, sem necessariamente se expandir o mercado consumidor, se bem que lojas de especiarias permaneçam vivas, o que no ensino superior corresponde às instituições focadas, com mensalidades altas, tecnologia de ponta, professores bem pagos e marcas muito valorizadas.
Cabe buscar a resposta a uma pergunta importante: esse grande mercado de massa que o Brasil precisa formar em nível superior (não em universidades de pesquisa!) deve ser atendido basicamente por este novo modelo de organização de grandes redes, sejam elas criadas e mantidas, ou não, com apoio dos fundos de "private equity"?
Se a resposta for sim, deveríamos ser capazes de provar a seguinte tese: a busca de redução sistemática de custos e a alta remuneração do capital permitem um ensino de qualidade. A partir daí, precisamos explicar por que o setor público gasta tanto para atender a tão poucos e não cria suas próprias redes nesses moldes.
Se não, precisamos apontar soluções, com urgência, para evitar as consequências nefastas para o futuro da qualidade e da abrangência do ensino superior, pois, diferentemente do que ocorre na produção de bens ou na prestação de outros serviços, seus resultados demoram a aparecer e não é possível devolver o "produto que apresentar defeito de fabricação".
MARIA BEATRIZ DE CARVALHO MELO LOBO, psicóloga, é vice-presidente do Instituto Lobo para o Desenvolvimento da Educação, da Ciência e da Tecnologia. Foi vice-reitora da Universidade de Mogi das Cruzes.
ROBERTO LEAL LOBO E SILVA FILHO, engenheiro, professor titular aposentado e ex-reitor da USP (1990-1993) e da Universidade de Mogi das Cruzes (1996-1999), foi diretor do CNPq e é presidente do Instituto Lobo para o Desenvolvimento da Educação, da Ciência e da Tecnologia.
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