domingo, setembro 19, 2010

JANIO DE FREITAS

O privilégio do silêncio
JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SÃO PAULO - 19/09/10


A comissão de ética não pode dispensar-se de dizer por que deixou de exigir informações de Erenice


O PRIMEIRO ROMBO na peneira ética do governo, em relação a uma parte importante das irregularidades já apontadas em Erenice Guerra & cia. ilimitada, está na própria Comissão de Ética da Presidência da República.
Pode-se supor que a comissão, com o encargo de julgar a conduta de integrantes do governo, foi relapsa em sua conduta. Nem essa suposição bondosa a isenta, porém, da concessão a Erenice Guerra de um privilégio que não tem autoridade para conceder, muito ao contrário. Nem poderia fazê-lo, jamais, do ponto de vista ético.
Na sua denominada investigação da conduta de Erenice Guerra no Gabinete Civil, a comissão não pode dispensar-se de explicar por que, em três ocasiões e depois em definitivo, deixou de exigir a obrigatória Declaração de Informações Confidenciais que a então ministra do Gabinete Civil da Presidência escamoteou.
Se o primeiro prazo de dez dias, em seguida à nomeação, poderia perder-se por esquecimento ou novos afazeres, o descaso ante as solicitações posteriores comprovou a omissão deliberada. Uma forma de recusa. E um motivo a mais, já que a recusa evidenciava necessidades de adotá-la, para a comissão não ser complacente.
O que levou a comissão a sê-lo também merece investigação. Se foi relapsa, não há por que sobreviva ou, pelo menos, permaneça tal qual é. Se acovardou-se, ou se foi "companheira" da ministra; ou considerou excessiva a exigência de informações confidenciais dos nomeados, afinal dispensando-a, em qualquer caso a comissão não foi coerente com sua finalidade.
O privilégio concedido a Erenice Guerra impediu que uma conduta rigorosa da comissão funcionasse como advertência para a ministra e dela para seu filho Israel Guerra & amigos associados. Hoje não é certo nem que a enxurrada de indícios contra o grupo seja o bastante.
Não é admissível, por exemplo, que a "consultoria" Capital tenha sido por eles constituída só para a transação em comum com o ex-presidiário Rubnei Quícoli, em busca de R$ 9 bilhões do BNDES (o banco negou o empréstimo).
Só depois das eleições será possível conhecimento mais seguro do que compõe, de fato, essa nova obra do Gabinete Civil. Eleições e veracidade não convivem bem, aqui e em qualquer lugar.

SORTUDO
Mais uma vez a sorte de Lula exibe a sua força. Além de eclodirem já perto das eleições, os dois escândalos que atingem o governo ocupam-se de assuntos indigestos demais para a imensa maioria do eleitorado. De quebra, a oposição e, em particular, José Serra têm sido muito incompetentes para tratar esses casos como matérias eleitorais.
A crítica de Fernando Henrique Cardoso à linguagem de José Serra está atestada pelas pesquisas. Sigilo fiscal, Receita Federal, inviolabilidade e privacidade, essas coisas não têm significado para os portadores da grande massa de votos. Seria necessário triturá-las, para torná-las digeríveis e então servi-las. Serra fez o oposto, e ainda se fixou no mais estranhável "sigilo da minha filha".

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