Republiquetização do País
EDITORIAL
O ESTADO DE SÃO PAULO - 14/09/10
Por muito menos do que se tem revelado ultimamente de lambanças com as instituições do Estado e com o dinheiro público um presidente da República foi forçado a renunciar há menos de 20 anos.
Mas com Lula é diferente. Embriagado por índices de popularidade sem precedentes na história republicana, inebriado pela vassalagem despudorada que lhe prestam áulicos, aderentes e aduladores das mais insuspeitadas origens e dos mais suspeitosos interesses, Sua Excelência se imagina pairando acima do bem e do mal, sem a menor preocupação de manter um mínimo de coerência com sua própria história política e um mínimo de respeito pelo decoro exigido pelo cargo para o qual foi eleito.
Sempre que os desmandos flagrados pela Imprensa ameaçam colocar em risco seus interesses políticos e eleitorais, Lula recorre sem a menor cerimônia à mesma "explicação" esfarrapada: culpa da oposição - na qual inclui a própria Imprensa. A propósito das violações de sigilo comprovadamente cometidas recentemente pela Receita Federal - não importa contra quem - não passou pela cabeça de Sua Excelência, nem que fosse apenas para tranquilizar os contribuintes, a ideia de admitir a gravidade do ocorrido e se comprometer com a correção desses desvios. Preferiu a habitual encenação palanqueira: "Nosso adversário, candidato da turma do contra, que torce o nariz contra tudo o que o povo brasileiro conquistou nos últimos anos, resolveu partir para ataques pessoais e para a baixaria." Não há maior baixaria do que um chefe de Estado usar o horário eleitoral de seu partido político para atacar, em termos pouco republicanos, aqueles que lhe fazem oposição. E faltou alguém lembrar ao indignado defensor dos indefesos que entre "tudo que o povo brasileiro conquistou nos últimos anos" estão a Constituição de 1988, o Plano Real, a Lei de Responsabilidade Fiscal, entre outras iniciativas fundamentais para a promoção social e o desenvolvimento econômico do País, contra as quais os então oposicionistas Lula e PT fizeram campanha e também votaram no Congresso.
Enquanto os aliados de Lula e de Sarney - a quadrilha que dilapidou o patrimônio público do Amapá - vão para a cadeia por conta das evidências contra eles levantadas pela Polícia Federal; enquanto os aliados de Lula - toda a cúpula executiva e legislativa, prefeito e vereadores, do município sul-mato-grossense de Dourados - pelo mesmo motivo vão para o mesmo lugar; enquanto na Receita Federal - não importa se por motivos políticos ou apenas (!) por corrupção - se viola o sigilo fiscal de cidadãos e as autoridades responsáveis tentam jogar a sujeira para debaixo do tapete; enquanto mais uma maracutaia petista é flagrada no Gabinete Civil da Presidência; enquanto, enfim, a mamata se generaliza e o presidente da República continua fingindo não ter nada a ver com a banda podre de seu governo, a população brasileira, pelo menos quase 80% dela, aplaude e reverencia a imagem que comprou do primeiro mandatário, o "cara" responsável, em última instância, pela republiquetização do País.
Está errado o povo? A resposta a essa pergunta será dada em algum momento, no futuro. De pronto, a explicação que ocorre é a de que, talvez, o povo de Lula seja constituído de consumidores, não de cidadãos.
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