Viagens, países
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 05/09/10
É fundamental ir para um lugar com o qual você já se identifica por alguma razão; música, por exemplo
VIAJAR NÃO É SIMPLES, sobretudo quando se vai para um destino desconhecido -e às vezes por influência de outra pessoa; cuidado.
Depois de passar pelas torturas normais -longas consultas pela internet para saber qual companhia oferece o melhor preço para a passagem, reservar o hotel e tomar as providências para deixar a vida em ordem, sem esquecer da ração do gato-, chega enfim o dia da partida. Uma viagem começa muito antes de se entrar no avião.
Vou repetir: viajar (bem) não é simples; aliás, é bem complicado. Mesmo com os cartões de crédito, saúde perfeita, o astral lá em cima, pode acontecer de não funcionar. São os riscos, e para evitar que isso aconteça, é preciso tomar muitas precauções.
É fundamental ir para um lugar com o qual você já se identifica por alguma razão; a música, por exemplo. Quando entro num avião para Buenos Aires, já vou ouvindo (na memória, não no iPod) Gardel cantando "Mi Buenos Aires Querido" e outros tangos cujas letras sei de cor.
Adoro Evita, adoro Maradona, adoro a elegância démodé dos argentinos, os jardins de Palermo, adoro saber que não existe nenhum argentino analfabeto. Nenhuma coisa tem a ver com a outra, mas o conjunto me faz adorar a cidade. Às vezes alguém me pergunta se já estive num determinado país, e eu tenho que fazer um esforço de memória para lembrar, olha que absurdo.
É que passei por lá sem saber de nada antes, e não ter procurado me informar -naquelas viagens de pula-pula para depois dizer que sou viajada, que estive em oito países e aí, claro, não me ficou uma só recordação. Adiantou ter ido? Claro que não. Se duas pessoas forem juntas visitar o Coliseu, uma conhecendo a história, a outra não tendo noção, para qual vai ser melhor?
Não tenho a menor vontade de conhecer a Venezuela, mas se for, já sei que não vou achar nada, porque o país não me atrai; então, só para ter mais um carimbo no passaporte, fico na minha casa.
É preciso falar com pessoas que já estiveram na cidade para onde você vai, saber dos passeios, dos restaurantes, das coisas imperdíveis, mas é fundamental que haja uma grande afinidade entre você e quem está dando essas informações. Aliás, mais do que afinidade: sensibilidade. Talvez seja necessário conversar com várias, pois o que é bom para um é péssimo para o outro, e afinidades existem em diferentes níveis: na arte, na gastronomia, nas lindas paisagens, nos lugares mais animados, e por aí vai.
Eu não iria a um restaurante indicado por quem só gosta dos lugares da moda -onde tem gente bonita, como eles dizem; também não perguntaria a um grande amigo que só pensa em futebol qual o melhor endereço para as compras, nada a ver.
É preciso estar identificado com o lugar para onde se vai já antes de ir. Se um sueco for a Salvador tendo lido Jorge Amado, não vai aproveitar muito mais a viagem?
Ninguém pode curtir Lisboa verdadeiramente sem ter lido Eça. Até pode, mas não deve, pois seria uma viagem mais pobre, da qual ficariam apenas algumas lembranças, todas superficiais; para isso, basta olhar uns cartões postais.
Pergunte, se informe, procure saber de tudo, leia autores locais, ouça para que tudo valha a pena e que a viagem se torne algo que você vai guardar para o resto da vida, bem dentro do coração. Só assim seus olhos vão ver coisas preciosas que nunca veriam, pois as cidades, como as pessoas, têm alma, e, sem ela, é o nada.
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