As pedras no caminho de Lula
RUTH DE AQUINO
REVISTA ÉPOCA
Sakineh é uma bela mulher, tem dois filhos, de 17 e 22 anos, e já aceitou o convite do presidente Lula para se mudar para o Brasil. A alternativa para a iraniana, presa desde 2006 por suposto adultério, é morrer desfigurada. Sakineh será enterrada em pé até o peito. Compete ao juiz atirar a primeira pedra. Testemunhas, autoridades do tribunal, policiais e o público também devem atirar pedras, nem pequenas nem grandes demais, o tamanho certo para um ritual lento, mas certeiro e eficaz.
Quem ordenará o apedrejamento será o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, aquele mesmo por quem o presidente Lula tem colocado sua mão no fogo. Ahmadinejad não se comoveu nem um pouco com a oferta improvisada de asilo a essa mãe de 43 anos. Tratou Lula como se fosse um imaturo, dado a arroubos. Chamou o presidente brasileiro de “humano, emotivo e mal informado”. Lula reagiu dizendo que só Deus dá a vida, só Deus tira. Mas confirmou sua ligação especial com Ahmadinejad: “Se vale a minha amizade com o presidente do Irã e se ela estiver causando incômodo, nós a receberemos no Brasil de bom grado”. Acorde, presidente. Quem incomoda aí nessa história é seu camarada.
É indesculpável, abjeta e vergonhosa a amizade com um louco como o presidente iraniano. Não existe pragmatismo que justifique os risos, abraços, piadas, fotos com a bandeira do Brasil ao fundo e o aval brasileiro à política nuclear de Ahmadinejad. Por que Lula teria ficado surpreso com a condenação à morte de Sakineh? Alguém que nega um fato histórico como o Holocausto merece confiança?
No ano passado, uma moça linda virou mártir ensanguentada nas ruas de Teerã. Neda, de 23 anos, morreu com um tiro em protesto contra fraudes na eleição presidencial. E sua morte destruiu a vida de outra iraniana, a professora de literatura Zahra, de 33. Agentes pressionaram Zahra a inventar que ela seria a verdadeira Neda, e estaria viva. “Eles queriam me usar. Queriam que eu culpasse conspiradores do Ocidente pelo episódio”, disse. Zahra gostava de sua profissão e de seu país. Hoje vive asilada em Frankfurt, Alemanha. Fugiu do governo de Ahmadinejad, o amigo de Lula.
O pesadelo que Sakineh vive há anos é, a nossos olhos, surreal e imoral. Ela foi presa e levou 99 chibatadas por adultério. Segundo sua versão, as relações aconteceram quando não estava mais casada. Ficou viúva, o governo a acusou de ter planejado a morte do marido, mas ela foi condenada mesmo por sexo.
Como Lula disse que “as leis dos outros países precisam ser respeitadas para não virar avacalhação”, ninguém entendeu quando voltou atrás e resolveu interferir no destino dessa mulher. Afinal, essa é a lei draconiana de seu companheiro islâmico. Como máxima concessão, em vez de apedrejar, Ahmadinejad pode mandar enforcá-la.
No Código Penal Revolucionário do Irã, o Artigo 86 manda matar a pedradas todos os casados que traírem. Como a lei iraniana permite a poligamia, homens se safam. A mulher não tem saída. O Artigo 105 permite que um juiz sentencie uma adúltera à morte com base apenas na queixa do marido. O apedrejamento começou no século VII. A maioria dos países muçulmanos eliminou esses crimes bárbaros de Estado. No Irã, antes da Revolução Islâmica de 1979, relações sexuais consensuais entre adultos não constavam do Código Penal.
Lula não precisava terminar seu mandato com a pecha de maior amigo de tiranos no mundo democrático. Por ideologia, ambição pessoal ou interesse comercial, Lula tem se lixado para os direitos humanos em países amigos ou parceiros. Ignora que existam dissidentes presos na Cuba de Fidel. Considera Chávez um exemplo de democrata. Esse estilo de diplomacia, que fecha os olhos a violações da liberdade, começa a incomodar e a dividir o próprio Itamaraty.
Teriam sido todas as mulheres do presidente, Marisa, Dilma e Marta, que o convenceram a lutar pela vida de Sakineh? “Eu quero viver com meus filhos no Brasil”, disse a iraniana na última sexta-feira. “O senhor não deve me esquecer.” E agora, Lula?
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