Novas políticas industriais
Rodrigo L. Medeiros |
O Globo - 23/08/2010 |
Economias bem-sucedidas sempre contaram com políticas públicas promotoras do crescimento A temática da política industrial voltou ao debate internacional. Diversos pensadores, entre eles Ha-Joon Chang, Dani Rodrik e Justin Lin, apontam a atualidade desse tema. Lançada pouco antes da crise de 2008, a Política de Desenvolvimento Produtivo brasileira procurou recuperar o terreno da ação política nesse campo. Com a crise de 2008, Keynes seria revisitado e o Estado seria chamado a intervir na arena econômica de forma intensa e heterodoxa. Não se pode deixar de citar a "nacionalização" da General Motors nos EUA. Keynes era contrário a nacionalizações. Pode-se dizer que o Estado de bem-estar tem pouco a ver com a concepção minimalista de Keynes. Ele foi, entretanto, o primeiro a perceber que uma moeda apreciada seria uma moeda fraca e não forte. Políticas industriais nunca deixaram de ser efetivamente praticadas nos países mais desenvolvidos. Economias bem-sucedidas sempre contaram com políticas públicas promotoras do crescimento mediante a aceleração de transformações estruturais. A simplória separação entre Estado e mercado não se sustenta como um fato nas sociedades mais desenvolvidas. Observa-se, em muitos casos, a cooperação pelo desenvolvimento econômico e o bem-estar. Em defesa das políticas industriais deve-se ressaltar que, além da complementariedade entre manufaturas e serviços, a produtividade costuma ser mais elevada nas manufaturas, tendendo a aumentar mais rapidamente do que na agricultura ou nos serviços. Portanto, sem um setor de manufatura forte, trata-se de algo muito difícil desenvolver serviços de alta produtividade. Países como Japão, Coreia do Sul, Taiwan e China compreenderam essa questão na segunda metade do século XX. Suas extraordinárias capacidades produtivas adquiridas assentam-se, em grande parte, no apoio governamental a novos setores produtivos. Facilidades de acesso a crédito e exigências de conteúdo local na produção resultaram no nascimento de fornecedoras de produtos sofisticados. Incentivos à exportação ajudaram suas empresas a penetrar em mercados mais exigentes e competitivos. Na parte desenvolvida do mundo, o departamento de energia dos EUA planeja gastar mais de US$ 40 bilhões em financiamentos e subsídios para estimular empresas privadas a desenvolver tecnologias verdes - carros elétricos, novas baterias, turbinas eólicas e painéis solares. A nacionalização da GM integra essas ações, pois inovações desse porte não podem ser simplesmente confiadas a pequenas e médias empresas. O desenvolvimento de novos setores produtivos em muitos momentos demanda um "empurrãozinho" governamental e a existência de grandes empresas. Esse empurrão pode assumir formas distintas - subsídios, empréstimos, oferta de infraestrutura e outros tipos de apoio. Do ponto de vista da transparência e da eficácia da política pública desejada, metas de desempenho e contrapartidas empresariais são necessárias. Praticantes de políticas industriais bem-sucedidas compreendem ser importante criar um clima de colaboração entre governo e setor privado. Conselhos deliberativos, fóruns de desenvolvimento de fornecedores, conselhos consultivos para investimentos, mesas-redondas setoriais ou fundos público-privados para investimentos de risco ajudam a aglutinar esforços e estreitam a colaboração sobre as oportunidades de investimento nos pontos de estrangulamento da economia. Receitas para o desenvolvimento das sociedades organizadas são muitas. As sociedades precisam estar abertas à experimentação. Em uma análise econométrica empreendida por Rodrik, chama a atenção o fato de que os países que conseguiram sustentar o processo de crescimento econômico após a Segunda Guerra foram capazes de articular uma ambiciosa política de investimentos produtivos com instituições capazes de lidar com os choques externos adversos, não os que confiaram na mobilidade do capital e na redução indiscriminada de suas barreiras alfandegárias. No início da década de 1960, a renda per capita sul-coreana era menor do que a do Sudão e não ultrapassava 33% da renda mexicana. Sua rápida industrialização derivou em grande parte do emparelhamento tecnológico e no desenvolvimento de aptidões tecnológicas. O Estado jogou um papel-chave ao longo do processo de mudança econômica no momento em que os agentes econômicos nacionais mostravam-se frágeis frente aos riscos e às incertezas do desafio do desenvolvimento. Hyundai e Kia são realidades na indústria automobilística mundial. A Kia iniciou suas operações, em 1944, como fabricante de bicicletas em Seul. Atualmente ela se faz presente em mais de 170 países vendendo automóveis. Essas empresas sul-coreanas evoluíram tecnologicamente desde sua constituição e elas buscam atualmente convergir esforços no desenvolvimento de tecnologias mais limpas do ponto de vista ambiental. Os chineses, por sua vez, apontam para a estratégia de desenvolvimento e popularização do carro elétrico a partir da constituição de marcas nacionais. As grandes empresas não estão presas à "disciplina do mercado". Elas não ficam expostas a um ambiente próximo à competição perfeita, onde a receita marginal tenderia ao custo marginal de produção e o lucro seria praticamente nulo. Oligopólios não são males a serem combatidos a todo custo, pois eles constituem as estruturas que reúnem excelentes condições para inovar e criar novas oportunidades de negócios, inclusive para as firmas menores. Compreende-se, portanto, como os campeões nacionais são bem tratados pelos governos dos países mais desenvolvidos. Alguns podem alegar ideologicamente e de forma reducionista que esse debate versa sobre a escolha dos vencedores na arena econômica. Essa discussão costuma ser mais complexa porque as políticas públicas, incluindo os direcionamentos de crédito e gasto público, afetam a renda e as possibilidades das pessoas mais humildes em uma sociedade emergente. |
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