Motor ou freio
Miriam Leitão
O crescimento do crédito imobiliário no Brasil impressiona. De 2008 a 2009, no auge da crise financeira detonada por uma bolha imobiliária nos EUA, ele saltou de R$ 63 bilhões para R$ 91 bi, e a projeção do setor é que pode alcançar R$ 455 bilhões em 2015. Se acontecer, será um salto de 620% em sete anos. O brasileiro se pergunta se é uma bolha se formando, alguns economistas sustentam que não.
José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, por exemplo, diz que o mercado brasileiro não é alavancado, nem tem derivativos como nos Estados Unidos. E lembra que o crédito imobiliário é pequeno no Brasil comparado com outros países. Já Reinaldo Gonçalves, professor da UFRJ, acha que o governo está incentivando uma bolha de crédito tanto imobiliário quanto de dívidas empresariais.
Os dados do Brasil parecem acanhados quando comparados com o resto do mundo, mas é bom lembrar que o custo do crédito é muito maior por aqui, o que faz com que certas comparações sejam enganosas.
Mesmo assim, em relação ao PIB, o crédito imobiliário saltará de 2,9% em 2009 para 4% em 2010. Em 2015, chegará a 11%. O ritmo é frenético, mas o percentual do PIB é baixo. O economista Leonardo Santos, da Austin Rating, acha que esse é um dos fatores que diminuem os riscos. O crescimento está acontecendo em cima de uma base baixa. No México, a relação crédito imobiliário/ PIB é de 13%; no Chile, 18%; na China, 19%. Em economias desenvolvidas, o percentual é muito maior: 72%, nos Estados Unidos; 75%, na Inglaterra, e 105%, na Holanda.
— Não acreditamos em bolhas. Temos um déficit habitacional muito grande e as regras para concessões de empréstimos são bastante rigorosas na comparação com outros países —explicou Santos.
Reinaldo Gonçalves, no entanto, pondera que os preços estão disparando, e não apenas na Zona Sul do Rio de Janeiro, mas em todas as capitais do país. E realmente quem acompanha os preços se espanta com a rapidez da valorização.
O aumento do crédito, em geral, e do crédito imobiliário, em particular, era esperado como parte do processo de estabilização.
A inflação alta e os juros altos paralisaram o mercado imobiliário. Agora, o país tem uma forte demanda reprimida.
O aumento do crédito e do poder de compra dos consumidores tem tido impacto direto nos preços.
Dados do Banco Central mostram que nos últimos três anos a valorização dos imóveis ficou muito acima da inflação. Em 2007, alta de 25,1% nos imóveis usados e 16,6%, nos novos. Em 2008, altas de 7,8% e 21,8%. Em 2009, valorizações de 13,6% e 25,8%, respectivamente.
O presidente do Sindicato da Habitação (SecoviSP), João Crestana, explica que o mercado imobiliário está crescendo mais forte nos imóveis avaliados em até R$ 150 mil, que tem como público-alvo famílias de renda até R$ 4.000,00.
Crestana acredita que diferentemente de Estados Unidos e Espanha, países que viram bolhas imobiliárias se formarem, as condições do Brasil são mais favoráveis.
— A Espanha tem 13 milhões de famílias e possui um estoque de 25 milhões de residências. A oferta ficou maior que a demanda.
Aqui, temos déficit de cerca de 6 milhões de residências.
Nos Estados Unidos, os consumidores usaram a hipoteca para fazer novas dívidas, e os bancos foram irresponsáveis nas concessões.
No Brasil, as condições são outras e os consumidores não possuem a cultura de usar os imóveis como garantia para novas dívidas — explicou.
José Roberto Mendonça de Barros admite, no entanto, que com o aumento do comprometimento das famílias com o crédito imobiliário, que é uma dívida de vários anos, a renda disponível para compra de outros bens ficará menor: — Ele terá que fazer uma troca, já que comprou a casa, não compra o carro.
Para a Secovi, os dois principais problemas do setor hoje são a falta de terrenos em grandes cidades e a burocracia.
Mas também há preocupações com escassez de mão-de-obra e matérias-primas, já que o crescimento tem sido muito acelerado. Para se ter uma ideia, segundo a Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), entre janeiro e junho deste ano, 187,6 mil imóveis foram financiados, o que significa um aumento de 51,5% em relação ao mesmo período de 2009. A projeção é de que até o final do ano 450 mil residências recebam financiamento.
O vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC), José Otávio Carvalho, diz que o setor está preparado para o aumento da demanda. Mas ele está preocupado com gargalos de infraestrutura porque o cimento é um produto altamente perecível e que não permite fazer estoques.
— O cimento dura no máximo três meses, então ele precisa se deslocar rapidamente entre a indústria e a obra. O problema é que cerca de 94% do cimento consumido no Brasil é transportado por rodovias. Então a infraestrutura é um gargalo em potencial. Temos que melhorar as rodovias, abrir vias fluviais, investir em portos — disse.
A previsão da Abecip é de que o crescimento do crédito imobiliário continuará nos próximos anos até atingir R$ 455 bi. Tudo vai depender da evolução da renda e da continuidade da estabilidade nos próximos anos.
Com as famílias mais endividadas, qualquer solavanco nos juros, qualquer queda mais forte do crescimento podem provocar estragos. O mercado tem que ser acompanhado com cuidado para evitar que um superendividamento da classe média acabe provocando novas crises como já ocorreram no passado. Como os Estados Unidos acabaram de mostrar, o mercado imobiliário pode ser o motor da economia.
Ou o seu freio.
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