terça-feira, agosto 10, 2010

MAURÍCIO SANTORO

América Latina e presos políticos em Cuba
MAURÍCIO SANTORO 
FOLHA DE SÃO PAULO - 10/08/10

Os principais candidatos à Presidência da República, veteranos da luta contra a ditadura militar, podem ser agentes da mudança em Cuba 


A mediação diplomática da Espanha e do Vaticano resultou na libertação de 52 presos políticos em Cuba. O governo Raúl Castro, pressionado após a morte do dissidente Orlando Zapata, em decorrência de greve de fome, percebeu a necessidade de direitos humanos.
A conjuntura cria oportunidade excepcional para os países da América Latina, em sua maioria aliados do regime cubano: um esforço conjunto para convencer Havana a libertar os cerca de cem presos de consciência que continuam detidos nos cárceres da ilha.
O Brasil pode e deve assumir a liderança deste processo. Em 2009, a Revolução Cubana completou 50 anos, e seu estágio atual se parece muito mais com o nacionalismo de suas origens do que com os dogmas marxistas-leninistas adotados durante a vigência da aliança entre Cuba e União Soviética. O fim da Guerra Fria levou o regime cubano a um severo ajuste estrutural econômico, abrindo-se ao capital estrangeiro.
Investimentos espanhóis no turismo, canadenses na mineração e chineses na infraestrutura resultaram em crescimento, apesar da deterioração da qualidade de vida, em particular das habitações.
A guinada econômica foi acompanhada por mudanças na política externa. O apoio a grupos rebeldes e insurreições armadas foi substituído por diplomacia defensiva que visa a preservação do regime cubano. Cuba conseguiu interlocutores na União Europeia, Canadá e Vaticano, mas ao custo de concessões significativas.
A aproximação com a Igreja Católica, que culminou na visita do papa João Paulo 2º à ilha, em 1998, se fez ao preço do retorno das liberdades religiosas ao país, mesmo com a apreensão de Havana quanto aos movimentos sociais cristãos pró-democracia, dos quais o mais expressivo é o Projeto Varela.
A ascensão de governos de esquerda na América Latina, a partir de 1999, deu a Cuba o cenário regional mais favorável desde a Revolução. Embora os partidos progressistas do continente tenham diversas tendências ideológicas, todos consideram Havana símbolo do nacionalismo, da busca por autonomia e por reformas sociais.
Muitos tiveram no regime cubano um aliado durante o enfrentamento às ditaduras militares das décadas anteriores.
Por sua tradição de resolução pacífica de conflitos, peso econômico e diplomático, o Brasil é o candidato natural à liderança do processo. Ótima oportunidade para que o governo brasileiro abandone a constrangedora prática recente de proteger ditadores e retomar a diretriz constitucional de que a política externa deve ser regida pela prevalência dos direitos humanos.
Os principais candidatos à Presidência da República -todos veteranos da luta contra a ditadura militar- podem ser agentes importantes dessa mudança.
Uma anistia ampla, geral e irrestrita aos presos políticos cubanos é excelente avanço rumo à vigência plena dos direitos humanos na ilha e à consolidação da democracia na América Latina.


MAURÍCIO SANTORO, 32, doutor em ciência política, é professor do MBA em Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas.

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