As tarifas do pedágio das estradas federais não incluem o preço cobrado em vidas
AUGUSTO NUNES
VEJA ON-LINE - 24/08/10
São Paulo seria melhor se fosse parecido com os demais Estados? O Brasil seria pior se os demais Estados ficassem parecidos com São Paulo? Números colhidos ao acaso informam que só podem responder afirmativamente às duas perguntas os cretinos fundamentais, os cegos por opção, os doidos de hospício e os obtusos irrecuperáveis de modo geral. Esses agem assim por idiotia. Mas há os que assim agem movidos pela esperteza. É o caso dos camelôs de palanque, tribo que tem como pajé o presidente da República.
Até Lula sabe que, apesar de também afetado por carências que castigam todas as regiões, o território paulista é o mais desenvolvido do país. O PIB estadual, por exemplo, representa 35% do PIB brasileiro ─ e desde o dia da posse de Lula a taxa de crescimento anual permanece 2 pontos percentuais acima do índice nacional. Apenas 55,2% dos municípios do Brasil-Maravilha de Lula são alcançados por sistemas de tratamento de esgoto. Circunscrito ao Estado, o índice sobe para 99,8%. A taxa de analfabetismo soma quase 10% da população brasileira, mais que o dobro da registrada em São Paulo.
Se é assim em todos os setores, Lula deveria ao menos desconfiar de que a malha rodoviária paulista é coisa de europeu se confrontada com a teia de estradas federais. Um recente levantamento da Confederação Nacional do Transporte qualificou de “ótimas” ou “boas” 75% das rodovias paulistas. Todas têm pista dupla (ou tripla), pavimentação cinco estrelas, serviço de atendimento aos motoristas em tempo integral e sistema de vigilância eficaz. As similares administradas pela União têm pista única, crateras lunares, sinalização indigente, barreiras prestes a desabar, nenhuma fiscalização e, quando há, pavimentação de padrão africano.
Graças à imensa malha de vicinais asfaltadas, que ligam todos os municípios e distritos paulistas, os caminhos de terra sobrevivem nas grandes propriedades rurais. Em contrapartida, só 12,42% das estradas federais são pavimentadas. Nos últimos oito anos, com pouca ou nenhuma ajuda da União, o governo estadual construiu o Rodoanel, duplicou várias rodovias, manteve todas em excelente estado. O governo Lula não foi além de uma Operação Tapa-Buracos tão ruidosa quanto bisonha. Com exceção de São Paulo, todos os Estados têm a sua “rodovia da morte”. Todas são federais.
Mas há o problema do pedágio, animou-se o presidente que, desde sempre convencido de que a maior obra de um governante é eleger o sucessor, resolveu agora que o serviço não ficará completo sem a entrega do Palácio dos Bandeirantes a um Aloízio Mercadante. Com tempo de sobra por ter abandonado o emprego em Brasília, acampou em São Paulo, inaugurou a filial da fábrica de mentiras instalada no Planalto e entrou no saloon eleitoral chutando a porta.
“O pedágio em São Paulo é um roubo”, afirmou no sábado o padroeiro dos bandidos companheiros. Levou nesta segunda-feira o inesperado e merecidíssimo troco. “Nesse caso, todo pedágio do governo federal é um latrocínio, que é o roubo seguido de morte”, retrucou o governador Alberto Goldman. O presidente deveria ficar menos tempo a bordo do Aerolula e viajar mais pela terra firme. Com algumas incursões por São Paulo, talvez aprendesse que, diferentemente do que acontece com os impostos federais, a maior parte do dinheiro arrecadado pelo pedágio é investida na malha rodoviária paulista. É um dos raríssimos tributos cuja destinação pode ser vista a olho nu.
Lula não inaugurou uma única rodovia importante, não cumpriu sequer a promessa de pavimentar a estrada que liga a antiga capital do Fome Zero, Guaribas, ao resto do mundo. Dilma Rousseff não transferiu do PAC para o Brasil real uma só das muitas oitavas maravilhas de papel. No ocaso da Era Lula, a dupla quer convencer os paulistas de que a linha mais curta entre o presente e o futuro é traçada pela régua do atraso. É tarde.
Sempre que criticar os caminhos de São Paulo, Lula deve ser convidado a cuidar das estradas que abandonou. Sempre que disser que o pedágio federal é mais barato, o presidente do país do faz-de-conta precisa ouvir que as tarifas não incluem o preço cobrado em desastres, lágrimas e vidas.
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