O risco do silêncio
Miriam Leitão
O Globo - 15/07/2010
Dia 20 o vazamento de petróleo no Golfo do México completará três meses. A BP já perdeu 30% de seu valor, o futuro da companhia é incerto, é impossível calcular as indenizações que ela terá que pagar. Os governos americano e norueguês suspenderam temporariamente a exploração na costa. No Brasil, tudo se passa como se o mundo da exploração de petróleo no mar não estivesse em convulsão.
O acidente mudou a percepção de risco da indústria.
Ele mostrou que um único evento, um grande e desastroso vazamento como o atual, é capaz de colocar em xeque uma gigante como a BP, que sempre esteve entre as maiores do mundo.
Esta semana, o governo americano suspendeu pela segunda vez a exploração de petróleo no mar. Na primeira vez, a Justiça derrubou. O Comitê de Recursos Naturais da Houve (a Câmara dos Deputados) aprovou, na primeira etapa de tramitação, uma emenda que permite banir da exploração no país, por sete anos, qualquer companhia que tenha um número significativo de violações ambientais.
O valor de mercado das empresas do setor está com queda de 10% este ano. A queda do valor da BP impressiona: de US$ 167 bilhões para US$ 116 bilhões.
A segunda maior queda é da Petrobras. Perdeu um quarto do seu valor em dólares.
O especialista Adriano Pires, do CBIE, explica que o acidente aumentou o risco da exploração de petróleo porque a tecnologia é semelhante em todas as empresas.
Se a BP está com dificuldade para conter o vazamento, outras companhias correm o mesmo risco.
— Explorar petróleo no fundo do mar ficou mais difícil. Uma coisa é ter o risco de um acidente, outra coisa é o acidente acontecer e ninguém conseguir contê-lo — afirmou.
As empresas terão que gastar mais com seguros e terão que fazer investimentos em novas tecnologias de segurança para a exploração em águas profundas.
— O mercado de seguros tem a mesma lógica em todos os ramos. Se houve acidente, o prêmio será maior.
Vai custar mais caro manter uma plataforma operando no mar — disse Pires.
Ontem, a BP adiou por 24 horas os testes para a instalação de uma nova tampa para tentar conter o vazamento.
Os riscos são grandes porque o procedimento nunca foi testado a uma profundidade de 1.700 metros. A queda das ações da companhia tem a ver com os custos das indenizações. Segundo o especialista Jean Paul Prates, da Expetro, ainda é impossível calcular o valor: — O dano que o acidente causou é muito difuso e ninguém sabe quais serão os custos para a empresa em indenizações. Elas podem abranger municípios, estados, governos, a própria indústria do petróleo da região que ficou paralisada, o setor de turismo, pescadores.
A lista é muito grande — explicou.
No Brasil, o governo não dá sinais de que se preocupa com o tema. Levar o assunto a sério poderia atrapalhar os planos de tratar o pré-sal como assunto de campanha eleitoral.
A coluna quis falar com a Agência Nacional do Petróleo (ANP) sobre o tema. Ela exigiu perguntas por escrito.
Mandou as respostas ontem, na hora do fechamento. A qualidade delas já mostra a superficialidade com que a agência lida com o assunto.
Alguns exemplos: O que os técnicos da ANP concluíram nas visitas e reuniões ao Golfo do México? “A conclusão este (SIC) acidente, assim como outros ocorridos na indústria do petróleo, deveu-se a uma série de acontecimentos.
É muito importante para indústria que seja feita uma profunda investigação das causas e depois, aqui no Brasil, avaliaremos se vamos fazer mudanças na nossa legislação de segurança operacional.” Os riscos no pré-sal serão semelhantes ou maiores que os da exploração no Golfo do México? “Os riscos do pré-sal são perfeitamente assimiláveis. O Brasil tem larga experiência em exploração em águas ultra profundas, é reconhecido internacionalmente por isso. Caso seja necessário mudar a nossa legislação de segurança operacional após a conclusão das investigações do incidente no Golfo, isso será feito com base em argumentos técnicos.” Temos produção de dispersantes no Brasil? “Essa questão deve ser feita ao Ibama, que é órgão ambiental.” Tempo perdido, pelo visto, falar com a ANP.
Felizmente o Brasil nunca teve um acidente semelhante, mas por maior que seja a confiança na capacidade tecnológica da Petrobras, o princípio da precaução é fundamental. Aqui também se explora petróleo em águas profundas. No caso do pré-sal, será mais fundo e mais distante da costa, tornando mais difícil qualquer ação de socorro.
O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, acredita que como a regulação da exploração de petróleo ficará mais rigorosa, o esforço financeiro das empresas para se manter o grau de investimento também será maior: — As empresas terão que fazer mais investimentos em prevenção de acidentes, terão que ter mais dinheiro em contingenciamento. Haverá menos recursos para o pagamento de dívidas e para novos investimentos.
O analista da Planner Corretora, Victor de Figueiredo, acha que o mercado financeiro ainda não embutiu completamente no preço dos ativos das empresas de petróleo o aumento dos riscos que esse acidente trouxe: — No caso da capitalização da Petrobras, conversando com investidores estrangeiros percebe-se claramente que eles estão receosos por causa do acidente da BP. Como é o estrangeiro basicamente quem define o preço, aí teremos a prova dos nove.
A preocupação do mercado limita-se, como é da sua natureza, aos aspectos financeiros da questão.
O fundamental no entanto é a tragédia ambiental que os Estados Unidos vivem e que o Brasil deveria estar discutindo seriamente como evitar.
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