O fato que virou fardo
Dora Kramer
E pensar que há dois anos os tucanos pareciam ter a solução perfeita para derrotar o presidente Luiz Inácio da Silva e impedi-lo da fazer o sucessor: uma chapa só do PSDB unindo os governadores de São Paulo e Minas Gerais, os dois maiores colégios eleitorais do País.
E pensar que o governo e o PT passaram dois anos morrendo de medo do impacto que a escolha do vice do PSDB provocaria na eleição presidencial.
O vice, aguardado como o grande fato político da temporada enquanto houve possibilidade de o mineiro Aécio Neves compor uma dobradinha com José Serra, acabou se transformando em um fardo.
Primeiro, por causa das atribulações da escolha, feita na base da eliminação, com direito a chilique e exigências do DEM ? um debilitado que teve seus 15 minutos de possante porque o PSDB não podia se arriscar a perder metade do tempo do horário eleitoral de rádio e televisão.
Agora o PSDB enfrenta aborrecimentos com o vice, escolhido sabe-se lá por qual critério: juventude, fina estampa ou para tentar suprir a lacuna de uma confusa e pouco profícua aliança com o PV no Rio de Janeiro, terceiro colégio eleitoral da Federação.
O deputado Índio da Costa é mais jovem que Aécio, bonitinho tanto quanto, mas desprovido de cancha, peso político e estrada.
E, a julgar pela primeira entrada em cena, não oferece compensações: o que lhe falta em experiência não lhe sobra em sapiência e extrapola em imprudência.
Na segurança de terras amigas (o portal do PSDB) e sem medir palavras contra os inimigos, Índio da Costa simplesmente disse que "todo mundo sabe" que o "PT é ligado às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), ao narcotráfico, ao que há de pior".
No dia seguinte retratou-se: "O PT não faz narcotráfico." Que bom, não é?
O desmentido deve ter soado tranquilizador ao titular da chapa, José Serra, aos partidos e aos demais cidadãos do Brasil, quiçá do mundo, que, segundo a primeira versão, sempre souberam da ligação do PT com o narcotráfico. Não precisam se sentir cúmplices por não terem denunciado à polícia o que sabiam.
Índio da Costa tampouco precisará demonstrar a veracidade de afirmação tão peremptória. Apenas terá de responder a ações do PT por injúria, calúnia e difamação e danos morais.
Isso no exato momento em que o candidato à Presidência na chapa integrada por ele procura tirar dividendos das exorbitâncias contra a legalidade cometidas pelo presidente Luiz Inácio da Silva em nome da construção de um êxito eleitoral.
O candidato ontem ainda saiu em socorro do companheiro, deixando o narcotráfico para lá, mas "endossando" a história das Farc, mais velha que a Sé de Braga e absolutamente inócua em termos eleitorais.
E pensar que José Serra achou que a escolha de um candidato à Vice-Presidência fosse um assunto secundário. Bastaria, segundo seus critérios, encontrar alguém que não lhe trouxesse "aporrinhação".
Com se viu, não era tão trivial assim. Embora até pudesse ter sido se o próprio PSDB e adjacências não tivessem alimentado a expectativa de que daí sairia a grande, revolucionária e definitiva solução.
Mas, como diria o Barão de Itararé: "De onde menos se espera é que não sai nada mesmo."
Goldman explica. O governador de São Paulo, Alberto Goldman, acha um "exagero" comparar suas menções ao candidato e antecessor José Serra aos atos do presidente Lula e escreve para "esclarecer".
"Minhas citações são referências ao fato de que aquilo que estou inaugurando é um programa que começou no período em que era governador. O que entrego agora começou com ele. São fatos concretos. Não peço votos nem faço elogios, ainda que eles estejam implícitos."
Guardadas todas as proporções entre as citações do governador e as variadas extrapolações do presidente, Dilma Rousseff usa o mesmo tipo de argumento quando diz que Lula apenas faz "constatação da realidade" ao atribuir a ela esse ou aquele projeto de governo.
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