Fortuna garfada (1)
Celso Ming
O Estado de S.Paulo - 08/07/2010
Não tem cabimento o candidato do PSDB, José Serra, considerar radical o programa do PT por ter incluído em sua plataforma a instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas. Antes de ser projeto do PT, foi projeto do PSDB.
Esse imposto está previsto na Constituição de 1988 e seu primeiro projeto de implantação e regulamentação, aprovado no Senado em 1987 e rejeitado pela Câmara, é de autoria dos então senadores Fernando Henrique Cardoso e Roberto Campos. Não dá para dizer que sejam nomes identificados com a esquerda radical e irresponsável. Esse imposto tem de ser rejeitado não porque tenha sido proposto por meia dúzia de visionários sociais, mas porque é mal concebido e porque não funciona onde ainda existe.
A proposta tem origem no fabianismo inglês do século 19, que pretendia um mecanismo quase automático de redistribuição de riquezas. Mas foi a França a primeira a instituí-lo, na década de 80.
Por ser um imposto declaratório, a fortuna a ser taxada deve ser apontada pelo seu proprietário, como no Imposto de Renda. Cabe ao organismo arrecadador conferir depois a correção do valor declarado e seu recolhimento efetivo.
Uma fortuna pode incluir glebas, imóveis, veículos, ações e participações societárias, antiguidades, obras de arte, joias, semoventes (rebanhos), coleções de arte e, também, os chamados intangíveis (valor teórico de uma marca).
Se essas coisas tivessem cotação diária no mercado até que seria relativamente fácil dimensionar um patrimônio a ser tributado. Mas como definir o valor de uma antiguidade, o de uma fazenda em área de litígio com problemas de registro, ou o de um ponto comercial?
Outro problema consiste em saber em quanto taxar. A proposta do então senador Fernando Henrique definia como fortuna alcançável por esse imposto um patrimônio a partir de R$ 2 milhões e previa alíquota máxima de 1%. O anteprojeto da deputada Luciana Genro (PSOL-RS) trabalha com uma escala inicial de R$ 2 milhões e prevê um imposto progressivo com a alíquota variável de 1% a 5%.
A partir desse critério, em apenas 20 anos, o proprietário de uma fazenda ou de um estabelecimento comercial de R$ 50 milhões teria transferido toda a propriedade para o Estado. Não adianta argumentar que a taxação no primeiro ano (R$ 2,5 milhões, ou 5% sobre R$ 50 milhões) deixaria o valor a ser tributado no segundo ano a R$ 47,5 milhões sobre o qual incidiria um imposto menor, de R$ 2,4 milhões e assim regressivamente, sem que a propriedade derretesse.
Como o proprietário não seria obrigado nem poderia vender sua fazenda para pagar o imposto, pressupõe-se que tivesse de arranjar caixa extra para satisfazer a Receita e, assim, a propriedade anterior permaneceria inteiramente taxável.
Um imposto sobre fortunas teria outras perversidades. Uma delas é a de que já é uma vaca ordenhada demais. Toda fortuna é precedida de uma renda que já é taxada pelo Imposto de Renda e depois passa por uma bateria de impostos sobre o patrimônio. Se for um imóvel urbano, leva IPTU; se for rural, ITR; se for veículo, IPVA; se forem títulos, estão novamente sujeitos ao Imposto de Renda e ao IOF. Faria sentido mais uma supergarfada? (Amanhã tem mais.)
Surpresa
O IPCA cravou 0,0% em junho, graças a uma queda generalizada dos alimentos. Ninguém esperava uma inflação tão baixa. Esse resultado reduz de 5,22% para 4,84% a inflação dos últimos 12 meses. (A meta deste ano é 4,5%.)
Fora ou dentro da curva?
É cedo para conclusões definitivas porque falta saber se essa novidade foi apenas um ponto fora da curva ou se define tendência. Se for a segunda opção, esse número altamente positivo poderá levar o Banco Central a dispensar novas altas dos juros. O Copom bate o martelo dia 21.
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