Atropelo e risco
Miriam Leitão
0 GLOBO - 27/06/10
O que a Petrobras não queria aconteceu: a capitalização será a um mês das eleições. Essa foi uma das várias confusões desse tumultuado processo. Quando a Petrobras anunciou, em abril, que ela mesma contrataria uma consultoria para avaliar o valor do barril do pré-sal, um senador do PT informou que, pela lei, isso teria que ser feito pela Agência Nacional do Petróleo.
A ANP, para dar o valor do petróleo que será cedido à empresa, vai contratar uma consultoria sem licitação, por falta de tempo. Tudo nesse processo é assim atropelado e, desde o começo, salta aos olhos a influência política sobre as decisões da Petrobras.
Na segunda-feira, ela anunciou um plano gigante de investimento até 2014 de US$ 244 bilhões, maior do que seu valor de mercado. O fato de o governo ter dado à empresa a responsabilidade de ser a única operadora aumentou o peso sobre a Petrobras, já enrolada para cumprir um plano de investimentos que ainda nem inclui a exploração das áreas não licitadas. Com o novo adiamento da capitalização, a companhia agora corre o risco de perder o grau de investimento.
Com uma dívida total de R$ 100 bilhões, a Petrobras está próxima do seu limite máximo de endividamento. A relação entre dívida líquida e patrimônio líquido chegou a 32% em março, perto do teto de 35% das agências de risco para empresas com grau de investimento. O adiamento deve aumentar esse percentual porque, pelo novo plano de negócios, US$ 58 bilhões terão que ser financiados no mercado via captações ou novas dívidas.
— O cronograma de investimentos tem um aumento forte de 28%. Se a capitalização não sair, a Petrobras poderá ter que adiar investimentos — explicou o analista de petróleo da Modal Asset, Eduardo Roche.
No mercado, a decisão de investir mais de US$ 35 bilhões em refino foi considerada política — com refinarias construídas em estados de políticos aliados e distante de centros consumidores.
A capitalização é confusa desde o começo. O presidente da companhia foi à Casa Civil pedir apoio à capitalização, que deu, contrariando o Ministério da Fazenda.
A engenharia financeira para o aporte envolve endividamento, com a emissão de títulos públicos e depois a cessão de 5 mil barris de petróleo que estão a 7 mil metros no fundo do mar. Para saber o valor desse petróleo é que se contrata a avaliação, mas só foi possível após a aprovação no Congresso, que demorou. Roche disse que a exploração do pré-sal seria mais fácil se o governo não mudasse o modelo de exploração de petróleo: — O atual programa de investimentos já é pesado, sem contar o que precisará ser feito no regime de partilha.
O modelo atual seria melhor porque divide investimentos com o mercado como um todo. Desse jeito, há esforço fora de propósito de uma companhia só — disse.
A ANP foi a reboque de tudo. A Petrobras chegou a comunicar ao mercado, em abril, que levaria adiante a operação apenas com a consultoria que ela própria havia contratado. Foi alertada de que o texto da lei é claro e estabelece a ANP como responsável pela precificação.
Na última semana, a empresa voltou atrás e comunicou o novo adiamento na operação, para setembro. Mas há quem duvide: — A meu ver, não acontece em setembro, e não sei se sai até o final do ano.
Existe um trâmite burocrático, setembro é um mês difícil porque está perto de eleições — disse a economista Ana Paula Scarpa, da corretora H.Commcor.
Para o analista Victor de Figueiredo, da Planner, ainda há 90% de incertezas: — Se a operação fosse numa empresa privada, já teria saído; como é pública, levou todo esse trâmite. É muito gente falando ao mesmo tempo e o mercado sem saber o que fazer com os papéis — afirmou.
Quem mais sofre com as incertezas é o minoritário, que apostou suas economias na empresa. Hoje, se não quiser ser diluído, terá que acompanhar o aumento de capital em que o controlador porá um petróleo que está no fundo do mar, de valor incerto, e difícil desafio de exploração.
Quando comunicou a capitalização, em agosto passado, os papeis da Petrobras sofreram a maior queda diária em seis meses. De lá para cá, eles acumulam recuo de 12%, enquanto a bolsa brasileira tem alta de 12,3%. Veja o desempenho no gráfico.
A espera pela capitalização trava o lançamento de novas ações. Como a operação é prevista para ser a maior do mundo, estima-se em US$ 25 bilhões de recursos privados, empresas têm medo de ir a mercado e não conseguir captar.
Fundos de investimentos internacionais, por exemplo, têm limite para aplicação em países emergentes. Por razões políticas, o modelo de petróleo foi mudado; com interferência política foram decididas questões estratégicas e o formato de capitalização.
Agora se prepara, num ambiente de incertezas, o ato final da operação para quando faltar um mês para as eleições gerais do país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário