Situações pretéritas
Luiz Garcia
O GLOBO - 15/06/10
Leis começam a valer a partir do momento em que são sancionadas e publicadas. Isso é óbvio, mas na prática nada tem de simples — como se vê no debate aberto do Tribunal Superior Eleitoral sobre vigência e abrangência da Lei da Ficha Limpa.
Já está decidido, por exemplo e graças a Deus, que as novas regras valem para as eleições deste ano. Mas os ministros ainda têm de resolver se só serão proibidas as candidaturas de cidadãos condenados depois da sanção da lei. Quem não conseguiu passar do primeiro ano do curso de Direito, como o acima assinado, imagina que a lei estabelece uma restrição em relação à situação do cidadão no momento em que se candidata, e ponto final. Parece simples — mas com certeza não faltam juristas na praça para afirmar que o argumento é apenas simplório.
Para o eleitor comum, o dado mais relevante nessa discussão talvez seja a lembrança de alguns dos políticos que seriam atingidos pela limitação — como Anthony Garotinho, no Rio, e Paulo Maluf, em São Paulo. São duas fichas sujíssimas históricas, exemplares. Os advogados de Garotinho anunciam que recorrerão ao Supremo Tribunal Federal, com o argumento de que as restrições só devem valer contra quem for condenado depois de a lei entrar em vigor.
Mas os juristas em geral não têm direito, como é óbvio, a personalizar suas interpretações. Como disse um deles, a proibição do registro de candidaturas de políticos condenados em segunda instância configura “a incidência futura de uma situação pretérita”. Bela frase.
Nada poderia ser mais claro e óbvio, não? A aplicação da lei já este ano é uma prova de sensibilidade do TSE a um óbvio desejo da sociedade civil. É sempre bom lembrar que o projeto sobre as fichas limpas chegou ao Congresso por uma iniciativa de juristas apoiada por alguns milhões — milhões, mesmo — de assinaturas de cidadãos. O Legislativo respondeu a esse movimento com uma tramitação de rara agilidade, e o Executivo também não perdeu tempo na sanção da lei.
No TSE, resta uma dúvida crucial a ser discutida, sobre se só estariam incluídas as condenações posteriores à sanção da lei. É precisamente o caso de Garotinho.
Não faço a menor ideia sobre a fundamentação jurídica dessa questão.
Sei apenas que a opinião pública tem pressa, e tem razão. Nas ruas, o pessoal só fala na necessidade de incidência imediata das situações pretéritas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário