terça-feira, junho 15, 2010

BRASIL S/A

Fôlego no limite

Antônio Machado
Correio Braziliense - 15/06/2010
 
Exaustão dos fundos públicos como alavanca do investimento privado desenha as ênfases para 2011

Questão controversa no debate político, a ingerência do Estado na economia não mereceu atenção especial nos discursos de José Serra e de Dilma Rousseff nas convenções em que o PSDB e PT formalizaram as suas candidaturas presidenciais. A fala dos dois candidatos foi insossa, pouco revelando sobre suas intenções, ideias e certezas. 

No capitalismo brasileiro, em que o financiamento de longo prazo tradicionalmente é impelido por fundos públicos, o Estado não é um dado secundário, dependente da afinidade ideológica do presidente. 

No Brasil, o Estado é peça relevante na engrenagem da economia de mercado. Tal protagonismo exibe sinais de exaustão sem que estejam maduros os canais complementares do crédito privado de longo prazo e do mercado de capitais. É questão de tempo, mas pode demorar sem incentivos ao funding privado nacional para apoiar o investimento. 

É essa questão que preocupa Dilma, Serra, parte dos empresários e economistas pragmáticos, não o embate entre Estado versus mercado. 

Mas há espaço para discussão entre o modelo dirigista, que induz as ações privadas, e o do Estado empreendedor, que cria ou assume o controle de empresas e as opera em situação de monopólio, o caso da Petrobras, ou de oligopólio privilegiado, como o previsto para a renascida Telebras nas conexões em banda larga de internet. 

O primeiro modelo sempre existiu no país com intensidade maior ou menor. É desejado pelos empresários até como seguro para negócios em que a amortização do investimento é lenta. Crédito subsidiado e proteção tarifária são os atrativos do modelo dirigista — comum na Ásia, mas não ausente nos EUA, o QG ideológico do capitalismo. 

O segundo teve o seu auge durante a fase de crescimento econômico acelerado nos governos militares, justificado como a resposta para o desinteresse ou falta de capacidade financeira do setor privado por atividades essenciais. A insolvência do Estado, como resultado da estatização desregrada e o que veio a seguir, levou às “décadas perdidas”, como a fase de ajustes ficou conhecida, à privatização parcial do Estado empresário e ao sucateamento da infraestrutura.

Entre um momento e o seguinte, destacam-se o ajuste final nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, quando surge a modelagem da gestão macroeconômica que vem até hoje, e a volta do crescimento impelido pelo investimento, sobretudo no segundo mandato de Lula.
Diploma de carências
É a continuidade do investimento, função da origem e da oferta do financiamento, que define o potencial do crescimento econômico, e, portanto, da renda e do emprego. Essa é a discussão que importa. A ampliação do parque industrial e da infraestrutura pública, porém, continua um problema à procura da resposta. O PAC, neste contexto, é mais um diploma das necessidades prementes de energia, estradas, portos, saneamento, hospitais, que um projeto acabado. Ele indica ao capital onde há carências, mas é vago sobre como financiá-las.
O estresse do Estado
O estresse dos recursos públicos fica visível quando o BNDES, que concentra os fundos de longo prazo que financiam os investimentos industriais e as obras de infraestrutura, recorre ao Tesouro para manter girando a sua carteira de projetos. Tal recurso é limitado.

É duplamente visível quando à falta de poupança nacional a ainda efêmera retomada do crescimento deságua em deficits externos, que correspondem, abatidas importações supérfluas e remessas de lucro, ao investimento bancado pelo capital estrangeiro — a tal “poupança externa” falada pelos economistas. Essas escolhas deixam sequelas.
O dirigista dirigido
O PAC, visto como contrapartida da infraestrutura requerida pelo crescimento, e o investimento privado até aqui foram apoiados por fundos públicos e estrangeiros. Para frente, ambos vão apresentar limitações. Nos bancos federais, por depender de capitalização — o que, em última instância, é suprido por fundos privados, mesmo se o financiamento for público. Idem com estatais, como a Petrobras.

É o que complica a ideia corrente em setores do governo Lula e da assessoria de Dilma de ampliar o Estado empresário. Não há margem para tanto. O financiamento, no fim da linha, viria do mercado — e em situação conflituosa com a necessidade do setor privado. E qual a consequência? O governo dirigista seria dirigido pelo mercado.
Sem atalhos para 2011
Aos extremos não se chegará, já que a nenhum dos candidatos parece faltar a razão sobre os constrangimentos do financiamento estatal.

Como a geração de poupança pública é solução ainda mais complexa, já que implica cortar gastos, o funding do ciclo de investimentos, que mal começou e hoje é maciçamente suprido pelo BNDES e capitais externos, será partilhado com a banca e o mercado de capitais.

Tais canais vão fluir com maior eficiência quanto menos o Tesouro apelar aos depósitos bancários para girar a dívida. Essa também é a providência imediata para aliviar os juros praticados pelo Banco Central — o grande obstáculo à afluência do mercado de capitais.

Juros menores dispensam metas obesas de superavit primário, o que desafoga o orçamento fiscal, se o governo não canalizar essa folga para novos gastos correntes e de custeio. Tudo está ligado, e pode desandar ao menor risco de barbeiragem. O mapa para 2011 é esse, e não há atalhos. Ou se vai por aí ou não se irá a lugar algum.

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