A ata veio amena
Antonio Machado
CORREIO BRAZILIENSE - 18/06/10
BC indica que aperto da Selic não deverá aumentar, mas tampouco será reduzido a curto prazo
A leitura da ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, normalmente pouco clara, satisfaz fregueses variados. A de agora, referente à reunião da semana passada, em que a taxa Selic foi aumentada de 9,5% ao ano para 10,25%, veio menos dúbia, mas o noticiário, sobretudo de rádio, mais nervoso, anunciou o que o BC não escreveu: a piora do cenário da inflação, o que não quer dizer que tenha melhorado. Simplesmente, não há tantas certezas.
Sobre a relação entre a oferta e a demanda, que é o que importa para o atual momento da economia — pontuado pela inflação em doze meses até maio em 5,22% (acima, portanto, da meta anual de 4,5%), importações correndo à frente das exportações e deficits externos —, a análise do BC surpreendeu pelo tom mais ameno que o esperado.
A ata anterior, relativa à reunião de 28 de abril, quando a Selic saiu da estabilidade em que vinha desde julho de 2009, ao subir de 8,75% para 9,5%, cogitava um cenário sem reservas. Já não é assim. “O conjunto de informações disponíveis”, afirma a ata, “evidencia continuidade da deterioração da dinâmica inflacionária na margem, embora em ritmo menor”. Não havia tal ressalta na versão anterior.
O BC teria ficado molenga? Não parece, já que o texto “considera que essa deterioração deva ser contida e, para tanto, precisam ser revertidos os sinais de persistência do descompasso entre o ritmo de expansão da demanda e da oferta agregadas”. Esse desequilíbrio, segundo o BC, tende a “aumentar o risco” para o curso da inflação.
A ata avalia que a economia continua aquecida, operando com alto nível de utilização de capacidade, mas admite que possa “mostrar algum sinal de arrefecimento”. Foi outro toque de moderação do BC.
Sobre o cenário internacional, a ata revela certeza e dúvida. No primeiro caso, o BC sugere maior preocupação com o efeito da crise fiscal da Europa sobre a retomada mais forte da economia mundial. Já quanto à influência desse quadro sobre a inflação brasileira, a ata firma que ela é mais “ambígua” — dadas as incertezas sobre o comportamento dos preços dos ativos e das commodities.
Traduzindo as mensagens do BC: é improvável que o ritmo de aperto da Selic seja acelerado. Mas tampouco será reduzido a curto prazo.
Sobriedade analítica
Nesses termos, a ata do Copom revela uma sobriedade analítica que contraria a percepção de radicalismo e ortodoxia desmedida, como a crítica enxerga o BC. Pode ter sido proposital, relacionado com a excepcionalidade da conjuntura eleitoral, suspeitarão alguns.
Mas o provável é que o BC concorde com a expectativa em formação no mercado financeiro, segundo a qual, apesar de o crescimento da economia estar acima de seu potencial, não há superaquecimento. A inflação, assim, poderia convergir para a meta de 4,5% de variação anual a um custo menor, mas num prazo maior, entre 2011 e 2012.
A preferência de Lula
As questões-chave são o crescimento, que pela ótica do BC deveria recuar para um ritmo sintonizado com a inflação na meta, e deficit externo sem estresse, em torno de 1,5% a 2% do PIB, estando a 1,9% em 12 meses até abril. Até o primeiro trimestre, a economia veio crescendo no talo. Para adiante, o PIB será resultado da interação entre os juros e a política fiscal, que continua expansionista.
Do arsenal pró-equilíbrio macroeconômico, poderiam ser sacados os juros, o controle fiscal e o contingenciamento do crédito. Os dois últimos, Lula nem quer ouvir falar. As suas sequelas seriam logo percebidas pelo grupo de eleitores que ele mais cultiva: a classe média emergente e o funcionalismo público. Já o ônus da taxa juros é difuso. No crédito ao consumo, por exemplo, conta mais o tamanho da prestação que os juros embutidos no financiamento.
Álibi para o cinismo
O BC é a última trincheira da estabilidade, além de álibi para o cinismo dos políticos. Essas coisas práticas, ligadas à sabotagem da política fiscal em relação à meta de inflação determinada pelo próprio governo, o BC ignora em suas atas, assim como os gravames institucionais sobre o crédito, entre recolhimento compulsório de parte dos depósitos da banca e tributação. Sua análise, tal como a usual entre os economistas, é asséptica, como se a “matemática” da estabilidade macroeconômica fosse neutra, sem sequelas materiais.
No próximo dia 24, vai-se ter outra constatação dessa liturgia. O Conselho Monetário Nacional se reúne para fixar a meta de inflação a ser cumprida pelo BC em 2012. A previsão é que repita a meta de 4,5% pelo 8º ano. Mas o futuro governo poderá mudá-la, se quiser.
Coragem para mudar
Ainda que os candidatos presidenciais elogiem o sistema de metas de inflação, inclusive José Serra, antigo desafeto da política de juros do Banco Central, há o que mudar. Um terço do IPCA, o índice do IBGE que baliza a medida oficial de inflação, é determinado por preços administrados, resíduos da indexação abolida no Plano Real.
É o que levou em 2009 a inflação, que desabou em todo o mundo, a apresentar enorme resistência à recessão, recuando de 5,9% em 2008 para apenas 4,3%, enquanto o PIB tombou 0,2%. E não só a indexação abate a eficácia da política monetária. Do total de crédito, mais de 40% são a taxas fixas subsidiadas — portanto, não tocadas pela Selic, que acaba sendo maior para gerar o efeito pretendido. Tudo isso é anomalia à espera de um governo com coragem para peitá-la.
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