À meia-bomba
Miriam Leitão
O Globo - 18/05/2010
O acordo que o Brasil e a Turquia acabaram de fechar com o Irã tem os mesmos termos do acordo fechado com as Nações Unidas, em outubro, e do qual o Irã recuou. Mesmo se o presidente Mahmoud Ahmadinejad cumprir todas as cláusulas, restará saber que respostas ele dará para as inúmeras dúvidas das Nações Unidas sobre o programa militar nuclear do país.
Existem dois problemas mais graves, entre muitos, nas relações entre o Irã e a comunidade internacional na área nuclear. O primeiro é o que o presidente Lula tratou nas negociações: um acordo para que ele entregue o urânio enriquecido entre 3% a 5% para armazenamento em outro país, em troca do direito de importar urânio enriquecido a 20% para seu programa nuclear para fins pacíficos.
Outro é que o Irã tem um programa nuclear militar com cinco centrais, algumas delas foram instaladas às escondidas, e não permite a supervisão internacional adequada. O urânio que o país está entregando seria apenas a metade do que já tem em estoque. Por isso, o mundo recebeu com dúvidas e reservas a iniciativa diplomática de estreia do Brasil na tentativa de resolver uma parte do conflito mais intratável do planeta: o Oriente Médio.
O Irã tem ambições claras, explícitas, de se tornar uma potência atômica. É um objetivo nacional do país, porque ele se sente cercado de inimigos. Toda a sua relação com a fiscalização internacional tem sido de negativa e hostilidade. O mundo não desconfia de Ahmadinejad à toa. Está coberto de razão para imaginar que um país que já escondeu a verdade possa escondê-la de novo; e que um país que se nega a cumprir os pedidos da ONU esteja querendo apenas ganhar tempo.
Em conversa que tive ontem com três embaixadores com larga experiência internacional — o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, Rubens Barbosa, que foi embaixador em Londres e Washington, e Sérgio Amaral, que chefiou a missão brasileira em Londres e Paris, — firmei a convicção de que esse assunto é bem mais complexo do que tem sido apresentado em certas análises.
Não há quem não queira para o Brasil um papel de maior protagonismo no cenário internacional. A convicção entre veteranos da diplomacia brasileira é que é normal, e esperável, que o país tenha cada vez mais influência. Mas há dúvidas sobre se esse movimento trará os dividendos esperados pelo governo brasileiro.
De qualquer maneira, a iniciativa criou chances de que seja derrotada a proposta de sanções contra o governo iraniano no Conselho de Segurança da ONU, porque a maioria a favor das sanções está se estreitando.
Se as sanções não forem aprovadas, isso será uma derrota americana, mas não necessariamente uma vantagem para o Brasil.
É muito difícil saber exatamente o que o Brasil tem a ganhar com tudo isso. Do aspecto puramente comercial, o Irã representa 0,59% do comércio brasileiro. Do ponto de vista político, o Brasil está avalizando um governo que está neste exato momento matando os seus opositores, condenandoos ao enforcamento. Nada mais primitivo do ponto de vista institucional do que um governo que sufoca, literalmente, seus dissidentes.
Isso é coerente com o apoio brasileiro ao regime cubano. Não é coerente com a rejeição ao governo de Honduras, que é justificada pelo argumento de que a eleição presidencial daquele país foi precedida de um golpe de Estado. Se temos como princípio não apoiar governos que tenham relação com golpes, como diz o governo brasileiro sobre Honduras, então o Brasil não deveria fazer a defesa do regime repressor cubano. Mas a diplomacia brasileira fica mais desengonçada quando o Brasil exige, como fez, que a Espanha desconvide Honduras como condição para participar de um encontro ibero-americano.
Apoiar Ahmadinejad em si, que reassumiu o governo numa eleição fraudulenta e tem calado a oposição de forma truculenta, não é coerente com os valores que o Brasil defende. A grande dúvida de todo o processo é o que leva o presidente Lula a usar todo o seu capital político acumulado em todos esses anos em defesa de um regime, de um presidente e de um programa nuclear que estão cercados de dúvidas inteiramente procedentes por parte da comunidade internacional.
A diplomacia do presidente Lula gosta de cantar vitórias que não teve. Ela perdeu sucessivas apostas.
Apostou em Doha contra a Alca ou acordos bilaterais.
Ficou sem Alca, sem Doha e fez poucos acordos bilaterais.
Apostou em ampliação do Mercosul, ele não se ampliou e tem andado para trás. Concentrou esforços na luta para ter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU e ainda não tem. O governo acha agora que, com essa jogada de altíssimo risco, poderá se credenciar como uma força diferenciada na busca da paz mundial. Pode ter bombardeado suas possibilidades de conseguir o objetivo almejado.
A característica da diplomacia brasileira é vender-se com um bom marketing aqui dentro. Por isso, vai aproveitar para faturar o acordo de Teerã. Para um governo que só pensa na eleição, é uma excelente chance para propaganda.
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