terça-feira, maio 18, 2010

BRASIL S/A

A vez dos pobres
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 18/05/10

FMI aponta vantagens dos países emergentes, como Brasil, frente ao longo ajuste do mundo rico


Os países emergentes, Brasil entre eles, do Grupo dos 20 (G-20), o bloco das maiores economias do mundo, têm uma avenida à frente para crescer e encurtar a distância que os separa do mundo rico. O desafio será evitar a tentação de calçar salto alto e esmorecer.

Os países ricos ficarão menos ricos. E a periferia que os cerca, caso na Europa de Grécia, Portugal e Espanha, vai provar o gosto amargo da penitência que até meados do século passado asfixiava a afluência do mundo emergente, submetido aos constrangimentos para cortar dívida e deficit por que vão passar seus credores de ontem.

Esta é a síntese do primeiro estudo regular do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a situação orçamentária dos países. Seu título é sugestivo: “Navegando os desafios fiscais futuros”.

Os mares serão revoltos durante anos para os 29 países listados pelo FMI no grupo das economias avançadas. E mais calmos para as 27 economias emergentes, se mantidas as políticas que preservem o desenvolvimento econômico e social com estabilidade. O FMI tomou a situação fiscal do G-20 como amostra, dividindo o bloco entre as nove economias avançadas e as dez emergentes que o compõem (a 20ª é a representação institucional da União Europeia no grupo).

De 2008 a 2015, os deficits primários vão continuar pressionando a dívida pública dos países avançados do G-20. Ela já engordou 20 pontos percentuais do PIB (Produto Interno Bruto) desde o início da crise e, segundo o FMI, tende a adicionar outros 20 pontos até 2015, chegando a 117% do PIB. É a turma do pires na mão.

Na outra ponta do G-20, a turma de Brasil, China, Rússia, Índia, Argentina, Turquia, México, Indonésia, Arábia Saudita e África do Sul, a projeção é que a dívida bruta caia 5 pontos de percentagem do PIB no mesmo período, atingindo em 2015 um patamar menor que no início da crise. O time dos emergentes só não será financiador dos países ricos, embora China já ostente tal condição há muito tempo, devido aos seus deficits em contas correntes.

Emergentes sem crise
Na avaliação do FMI, não haverá problema em financiá-los. O saldo de dívida menor na saída de crise vai manter os gastos financeiros relativamente baixos, apesar da previsão de aumento dos juros nos países avançados ao longo do período. A expectativa é que a margem de juros, em média, continue maior entre os emergentes que nos EUA e na Europa. A melhora fiscal relativa também se deve a que entre os emergentes os estabilizadores automáticos de renda, como seguro desemprego, são menores que entre os países mais ricos.

Os novos dependentes
A comparação por país revela um quadro dramático de dependência dos fluxos financeiros operados nos mercados pelos países ricos, nos próximos anos, vis-à-vis os emergentes. A dívida dos EUA, por exemplo, saltou de 62,1% do PIB em 2007 para 83,2% ano passado e, na simulação do FMI, chegará a 110% em 2015. A do Japão passará de 188% para 250% do PIB em 2015. A da Inglaterra, de 44% para 91%.

No mesmo período, a dívida bruta do Brasil passou de 65% em 2007 para 68,9% do PIB no ano passado e cairia a 54% em 2015. Mas há casos melhores. A dívida da China praticamente não variou de 2007 a 2009, e continuaria oscilando em torno de 18% do PIB até 2015. A da Índia deve diminuir de 79% do PIB em 2007 para 67% em 2015.

País dispersa ajuste
O que faz diferença é a qualidade das políticas fiscais. Entre os países ricos, além das medidas desesperadas tomadas para reverter a marcha para a depressão, todos têm gastos exponenciais com saúde e previdência, agravados pelo envelhecimento da população e mesmo a sua redução. Tal problema é menor para a maioria dos emergentes.

Grave é a dispersão de grande parte do ajuste fiscal dos últimos anos por alguns dos emergentes em gasto supérfluo, normalmente com o inchaço improdutivo do Estado. Mas há nuanças em tal quadro.

O destaque é que, ao Brasil, é como se já tivesse sido consumida a vantagem para crescer. O gasto público representou 40% do PIB em 2009, 10 pontos percentuais acima da média dos emergentes, contra receita de 36% do PIB aqui e 25% para nossos irmãos de turma. Isto é: os outros fizeram mais com menos. Essa diferença, sem avanço de produtividade, vai pesar cada vez mais contra nós daqui em diante.

Não dá para ter tudo
A recente descoberta do governo de que precisa economizar o gasto fiscal frente ao crescimento rodando à base de 8% ao ano, bem mais do que é possível absorver a produção sem gerar déficits externos ingovernáveis e atiçar a inflação, é outra forma de se comprovar a assimetria entre os modelos de crescimento dos emergentes revelado pelo estudo inédito do FMI. A maioria prioriza a expansão movida a investimentos que expandam a oferta industrial e a infraestrutura.

É o caso das economias asiáticas em geral e das do Leste Europeu, recém-chegadas ao livre mercado. O social não é deixado para trás, mas equilibrado com a necessidade de financiar o investimento sem desequilibrar as contas fiscais e criar sequelas, entre inflação e a questão cambial. No Brasil, saltou-se do social desamparado dos tempos do ajuste fiscal, de 1994 a 2003, à corrida para recuperar o tempo perdido — mas acumulada à expansão do investimento depois de 2006 e com o agigantamento do Estado em todo o período. Vai-se ter de optar. E é isso que estará em jogo nas eleições de outubro.

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