Um tonel de água fria
DORA KRAMER
O ESTADO DE SÃO PAULO - 13/05/10
Aprovado na Câmara de forma definitiva em clima de euforia na noite de terça-feira, o projeto que proíbe candidaturas de políticos condenados por crimes dolosos em colegiados judiciais com recurso julgado em tribunal superior foi recebido pelo Senado na quarta-feira com um tonel de água fria.
A história de que havia uma grande articulação entre deputados e senadores para que o projeto Ficha Limpa tramitasse rapidamente no Senado sem modificações a fim de seguir o mais breve possível à sanção presidencial e, assim, talvez entrar em vigor ainda a tempo de valer para as eleições de outubro, revelou-se apenas uma versão otimista dos fatos quando confrontada com a realidade.
O primeiro sinal veio logo no início da tarde quando o presidente do Senado, José Sarney, fez-se aparentemente porta-voz de uma boa notícia. Anunciou que iria propor aos líderes dos partidos um acordo para que o projeto fosse votado em regime de urgência.
Assinalou, no entanto, a necessidade de votar medidas provisórias que trancam a pauta de votações. Mas, como a pauta está obstruída pela oposição por causa da urgência imposta pelo governo aos projetos do pré-sal, há que se observar a existência de um nó difícil de desatar.
Vinte minutos depois, o líder do governo no Senado, Romero Jucá, foi mais explícito. Avisou logo que não há acordo algum para urgência no projeto Ficha Limpa e mais: não há acerto para tramitação rápida.
“O Senado tem que se debruçar sobre a matéria, discutir, emendar o que tiver que emendar. Isso é um assunto de muita responsabilidade, mexe com a vida das pessoas e com o futuro de cada parlamentar. Eventualmente, todos nós poderemos estar com o futuro inserido em qualquer uma dessas situações. É importante que fiquem claros os mecanismos e os instrumentos de defesa, a legalidade e a constitucionalidade da matéria.”
Não é necessário ser bom entendedor para compreender o que quer dizer o senador. Até porque ele não usou de meias palavras. Pronunciou-as inteiras.
O projeto mexe “com o futuro de cada parlamentar. Eventual mente, todos nós poderemos estar inseridos em cada uma dessas situações”; aquelas que impedem o registro de candidaturas, bem entendido.
Deixemos de lado o fato de o senador figurar no rol dos parlamentares processados a fim de não “fulanizar” a questão e passemos à motivação que sugere sua argumentação: a tentativa de fazer no Senado o que os autores de emendas ao projeto na Câmara não conseguiram, desfigurar o projeto.
Como consequência, haverá atraso na tramitação, pois, uma vez alterado, o projeto voltará à Câmara e depois irá de novo ao Senado. Concluído o processo, o presidente da República tem 30 dias para sancionar a lei.
Como as convenções partidárias que escolhem os candidatos começam a partir de 10 de junho, daqui a menos de um mês, não é preciso grande argúcia para perceber o nome do jogo.
Parece um pouco pior do que a encomenda. Se não mudar o ritmo do andar da carruagem, não é absurdo pensar que exista uma urdidura para que o projeto nem seja aprovado e se perca pelo meio do caminho de obstruções de pauta, medidas provisórias, urgência de pré-sal, requerimentos para discussões em comissões, férias de meio de ano, recesso para campanha eleitoral e daí para o buraco negro é um passo.
Romero Jucá é líder do governo. Como tal fala em nome do Palácio do Planalto. Da base governista. Desautorizou o acordo aventado pelo presidente do Senado e não foi desautorizado por ninguém em sua inflamada posição.
De onde se conclui que esteja politicamente guarnecido e devidamente credenciado para pôr a bancada governista no Senado em confronto com a opinião pública para uma batalha que se avizinha dura.
A pressão de fora levou a Câmara a aprovar um projeto que, se dependesse só dos partidos, não seria aprovado. No Senado, a marcação é mais fácil. São apenas 81 senadores, dois terços com os mandatos em jogo, todos dependentes de voto majoritário, ne nhum disposto a ficar mal com o público nem com vocação ao suicídio eleitoral.
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