Nanossegundos fatais
CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SÃO PAULO - 08/05/10
Contra os mercados, que são fulminantes, lerdos governos levam dias, semanas, meses ou anos para tomar decisões
INFORMA o jornal espanhol "El País" que uma das hipóteses para o precipício em que chegou a cair a Bolsa de Nova York na quinta-feira é a de que "programas informáticos executaram ordens de venda em nanossegundos".
Nanossegundos é bonito, não é? Seria, se houvesse, na disputa mercados x governos, um mínimo de campo de jogo equilibrado. Contra os nanossegundos do mercado, entram dias, semanas, meses, anos para que os governos tomem decisões. Não foi apenas a demora exasperante da Europa em atuar no caso da crise grega. Há mais exemplos, ainda mais eloquentes.
Cito apenas um: também na quinta-feira, a chanceler (premiê) alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy, divulgaram carta em que criticam a atuação das agências de classificação de risco. "A decisão de uma agência de degradar a classificação da dívida grega antes de conhecido o programa [de ajuste] das autoridades e o montante do plano de apoio deve convidar-nos a refletir sobre o papel de tais agências na propagação das crises."
Refletir? Tem dó. Em 2008, a Comissão Europeia, após "refletir" o suficiente, aprovou nova legislação sobre as agências que, no entanto, só entrará em vigor em alguns meses. Ou seja, mercados em nanossegundos versus governos em dois anos pelo menos. Quem ganha?
Passemos a outro ponto, o da dívida pública na Europa, que é o novo cavalo de batalha dos mercados. Atacam todos os dias, a um custo formidável para os governos (para a sociedade, na verdade). Vejamos só o caso espanhol: em um mês (de abril para maio), sem que houvesse um fato novo negativo, a não ser o ataque das agências de "rating", os mercados cobraram, para rolar a dívida espanhola, 0,74 ponto percentual a mais. Dá, por ano, 17 milhões a mais para os cofres públicos, 85 milhões nos cinco anos de validade dos papéis.
O caso da Grécia é muito pior, mas os governos, incluído aí o Banco Central Europeu, recusam-se a encarar um fato que tende a se tornar inexorável: algum tipo de reestruturação da dívida (para não usar a palavra calote) terá que haver. Quem acha que é coisa de extremista deve ler o que escreveu ontem para o "Financial Times" o economista Arvind Subramanian, pesquisador-sênior do Instituto Peterson para a Economia Internacional, um "think tank" liberal de Washington, não o instituto de estudos do PSOL.
Ele começa por criticar o programa do FMI para a Grécia, porque, entre outros pontos, não incluiu, "em especial, uma reestruturação ordenada da dívida" (um calote combinado, digamos assim).
O economista lamenta que os bancos europeus, que têm belos pedaços da dívida grega nas mãos (vide coluna de ontem de Vinicius Torres Freire), não tenham sido chamados a contribuir.
"Que contribuintes de países bem mais pobres devam colaborar para que instituições financeiras ricas safem-se apesar de suas práticas de empréstimos irresponsáveis parece injusto e perverso", escreve. Também acho. Falta agora que os governos despertem de sua letargia e passem a antecipar-se aos fatos em vez de "refletir" sobre eles depois dos estouros.
Nanossegundos é bonito, não é? Seria, se houvesse, na disputa mercados x governos, um mínimo de campo de jogo equilibrado. Contra os nanossegundos do mercado, entram dias, semanas, meses, anos para que os governos tomem decisões. Não foi apenas a demora exasperante da Europa em atuar no caso da crise grega. Há mais exemplos, ainda mais eloquentes.
Cito apenas um: também na quinta-feira, a chanceler (premiê) alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy, divulgaram carta em que criticam a atuação das agências de classificação de risco. "A decisão de uma agência de degradar a classificação da dívida grega antes de conhecido o programa [de ajuste] das autoridades e o montante do plano de apoio deve convidar-nos a refletir sobre o papel de tais agências na propagação das crises."
Refletir? Tem dó. Em 2008, a Comissão Europeia, após "refletir" o suficiente, aprovou nova legislação sobre as agências que, no entanto, só entrará em vigor em alguns meses. Ou seja, mercados em nanossegundos versus governos em dois anos pelo menos. Quem ganha?
Passemos a outro ponto, o da dívida pública na Europa, que é o novo cavalo de batalha dos mercados. Atacam todos os dias, a um custo formidável para os governos (para a sociedade, na verdade). Vejamos só o caso espanhol: em um mês (de abril para maio), sem que houvesse um fato novo negativo, a não ser o ataque das agências de "rating", os mercados cobraram, para rolar a dívida espanhola, 0,74 ponto percentual a mais. Dá, por ano, 17 milhões a mais para os cofres públicos, 85 milhões nos cinco anos de validade dos papéis.
O caso da Grécia é muito pior, mas os governos, incluído aí o Banco Central Europeu, recusam-se a encarar um fato que tende a se tornar inexorável: algum tipo de reestruturação da dívida (para não usar a palavra calote) terá que haver. Quem acha que é coisa de extremista deve ler o que escreveu ontem para o "Financial Times" o economista Arvind Subramanian, pesquisador-sênior do Instituto Peterson para a Economia Internacional, um "think tank" liberal de Washington, não o instituto de estudos do PSOL.
Ele começa por criticar o programa do FMI para a Grécia, porque, entre outros pontos, não incluiu, "em especial, uma reestruturação ordenada da dívida" (um calote combinado, digamos assim).
O economista lamenta que os bancos europeus, que têm belos pedaços da dívida grega nas mãos (vide coluna de ontem de Vinicius Torres Freire), não tenham sido chamados a contribuir.
"Que contribuintes de países bem mais pobres devam colaborar para que instituições financeiras ricas safem-se apesar de suas práticas de empréstimos irresponsáveis parece injusto e perverso", escreve. Também acho. Falta agora que os governos despertem de sua letargia e passem a antecipar-se aos fatos em vez de "refletir" sobre eles depois dos estouros.
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