Consciência do século
RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO - 24/04/10
RIO DE JANEIRO - Mark Twain, o escritor americano, completou cem anos de morte nesta quarta-feira sob pesado silêncio. Irônico, porque, quando ele morreu, aos 75, em 1910, o mundo se perguntou como iria se arranjar sem ele.
Como todos os garotos brasileiros dos anos 50, li Mark Twain naquelas lindas edições da Vecchi -pena que, só percebi depois, em traduções nada à altura do original.
Mas não importa: em criança, lê-se Mark Twain como criança, e é emocionante. Em adulto, descobre-se o supremo prazer de ler Mark Twain como adulto.
Seus dois grandes livros, "As Aventuras de Tom Sawyer" e "As Aventuras de Huckleberry Finn", prestam-se a ambas as situações. Em "Tom Sawyer", um homem é assassinado num cemitério durante a violação de um túmulo; outro morre de fome e sede numa caverna lacrada depois de ter comido todos os morcegos e tocos de vela disponíveis; etc. Em "Huck Finn", 13 pessoas morrem em meio a cenas de escravidão, miséria, guerra e corrupção. Não admira que, quando lhe disseram que "Tom" e "Huck" haviam sido proibidos em certa escola nos EUA, Twain tenha exclamado: "Fizeram muito bem. Eles não foram escritos para crianças".
Os dois livros influenciaram "Macunaíma", de Mario de Andrade. Mas há outro grande romance brasileiro na mesma linha e que não lhes deve nada, até por ter saído mais de 20 anos antes: "Memórias de um Sargento de Milícias", de Manuel Antonio de Almeida -Huck seria um Leonardo matuto, e tão atrevido quanto.
Mark Twain era, ao mesmo tempo, moleque, anarquista, lúcido, severo, hilariante, cético, cruel e moralista. Deixou frases definitivas sobre quase tudo e era considerado "a consciência do século 19". O brasileiro que mais se parece com ele continua entre nós e se chama Millôr Fernandes.
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