Maus atores na tragédia
Alon Feuerwerker | ||||
Correio Braziliense - 08/04/2010 | ||||
A precariedade dos atores e do enredo fica mais visível quanto mais crítica é a situação. O governante se acha esperto quando tenta repassar aos antecessores tudo que há de ruim ou problemático. Mas agora no Rio está um pouco mais difícil Qual é o curso mais adequado para quem deseja seguir a carreira política? Administração pública? Direito? Ciências sociais com pós-graduação em ciência política? Economia? Jornalismo? Talvez Engenharia civil? Pensando bem, certo seria tascar “nenhuma das anteriores”. A formação mais útil para o político é artes cênicas ou dramáticas. A política é antes de tudo um teatro. O Rio de Janeiro foi arrebentado pelas chuvas nos últimos dias. O jornalismo moderno proíbe a expressão, mas aqui ela cabe: chuvas torrenciais. Quando calamidade parecida atingiu com força o município fluminense de Angra dos Reis, em janeiro, notei que o PT ficou quietinho, ao contrário do que acontecera em São Paulo dias antes. Pois no Rio o partido navegava nas águas do governo Sérgio Cabral (PMDB), enquanto em SP era oposição ao então governador José Serra. Há alguma injustiça em o PT atacar ferozmente o PSDB pelas enchentes em SP? Nenhuma. Atacou foi pouco. Governantes precisam ser criticados com a contundência necessária para tomarem as providências exigidas pela situação. Importa menos se as críticas são justas ou injustas: elas devem ser suficientes para romper a inércia do poder, cuja primeira reação é invariavelmente achar que “tudo está bem”. Ou eximir-se de responsabilidade, quando não dá para fingir que está tudo bem. Existe algo mais patético do que o pseudolíder choramingar, na hora do aperto, um meloso “a culpa não é minha”? Ou um revoltante “a culpa é do povo”? O eventual melindre do presidente, governador ou prefeito não tem nenhuma relevância quando comparado ao sofrimento do sujeito que vê o resultado de uma existência de sacrifícios ser levado pela água. Isso quando a água não leva a vida do ente querido. A precariedade dos atores e do enredo fica mais visível quanto mais crítica é a situação. O governante se acha esperto quando tenta repassar aos antecessores tudo que há de ruim ou problemático. Mas agora no Rio está um pouco mais difícil. A responsabilidade não é do governador Sérgio Cabral, pois ele é aliado do governo federal. Uma alternativa seria colocar a culpa em Anthony e Rosinha Garotinho, que vieram antes de Cabral e administraram cada um durante quatro anos. Mas os Garotinho estão no PR e apoiam a candidata do PT, Dilma Rousseff. Bem, ufa!, teve o tucano Marcello Alencar entre 1995 e 1998. E antes de Alencar? Entre 1991 e 1994 o governador foi Leonel Brizola, que já governara o Rio de 1983 a 1987. Só que não dá para falar mal de Brizola quando um herdeiro político dele, Carlos Roberto Lupi, comanda o PDT e está de armas e bagagens na candidatura governista. Sobrou alguém? O peemedebista Moreira Franco, que governou entre 1987 e 1991. Mas ele também integra hoje a base de Lula, tem um cargo bacana no governo federal e compõe o núcleo duro do PMDB que manda. Eis o rol dos governos no Rio desde a redemocratização. Bem, se não dá para culpar ninguém terreno, presente ou pretérito, vai acabar sobrando para Deus. Ele que se vire. A regra é simples e de fácil aplicação. A inundação é no governo do adversário? A culpa é dele. A inundação é no nosso, ou no de um amigo nosso? A culpa é d`Ele. E o dinheiro? Ainda sobre teatro, o Brasil tem visto nas últimas semanas a emocionante e emocionada mobilização dos políticos e da “sociedade civil” no Rio de Janeiro para os royalties do Pré-Sal seguirem o curso normal e acabarem forrando os cofres dali. Depois de enterrados os mortos e socorridas as famílias que perderam suas casas, talvez vá ser o caso de convocar esses mesmos personagens lacrimosos para explicar ao país o que vem sendo feito com a montanha de dinheiro que há anos o petróleo injeta no Rio. |
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