E o xerife, como de costume, chegou tarde à cena do crime
Valor Econômico - 08/04/2010 |
A boa notícia da semana passada vinda da Securities and Exchange Commission (SEC) é que ela está caçando companhias que usam os truques contábeis estilo Lehman, que as fazem parecer menos alavancadas do que realmente estão. Agora a notícia ruim: a agência do governo americano sempre em busca de manchetes nos jornais está atrasada demais, como sempre. Em 29 de março a SEC disse que sua Divisão de Finanças Empresariais vai enviar questionários detalhados para duas dezenas de grandes bancos e companhias de seguros. Entre outras coisas, a SEC está perguntando às companhias se nos últimos três anos elas chegaram a tratar contabilmente acordos de recompra como vendas, como meio de encolher temporariamente seus passivos. Esse, conforme os leitores podem muito bem lembrar, é o mesmo artifício que o Lehman Brothers usou e que era conhecido internamente como Repo 105. As maquinações do Lehman Brothers também poderiam estar de acordo com as normas contábeis se a instituição não tivesse declarado falsamente em seus relatórios financeiros que tratava todos esses acordos de recompra como financiamentos ou empréstimos. O resultado foi que o Lehman levou as pessoas de fora a acreditar que ele não havia reduzido os ativos ou passivos em seus livros como resultado das transações. Provavelmente não é coincidência o fato de a notícia dos questionamentos da SEC surgir menos de três semanas depois que o perito encarregado da falência do Lehman, Anton Valukas, revelar a história sobre os Repo 105, que o Lehman usou para aparar US$ 50 bilhões de seu balanço no fim de um determinado trimestre. A cronologia sugere que foi o relatório de 11 de março de Valukas e a publicidade subsequente que ele criou que levaram a SEC a começar a fazer perguntas. Eis o que confunde a cabeça. Antes de o Lehman pedir concordata em setembro de 2008, a SEC era sua principal autoridade reguladora. A divisão de fiscalização da SEC supostamente vinha investigando a contabilidade do Lehman desde o colapso da instituição, ou pelo menos deveria estar. Mesmo assim, foi só depois da divulgação do relatório de Valukas que a SEC começou a demonstrar preocupação, ou mesmo consciência, de que essa mágica contábil podia estar ocorrendo no Lehman ou em outras instituições. Será que a SEC, liderada por Mary Schapiro, não sabia da dimensão da tramoia dos Repo 105 do Lehman até que Valukas divulgasse seu relatório? A agência não disse nada para contestar essa suposição. Quando perguntei ao porta-voz da SEC John Heine se era esse o caso ele não quis comentar. Seja qual for a resposta, isso não fica bem para a SEC. Se ela nada sabia sobre as trapalhadas dos Repo 105 do Lehman até o mês passado, isso explicaria porque ela não enviou seus questionários para os bancos e seguradoras antes. Se a SEC sabia disso de antemão, ela deveria ter começado bem antes a questionar outras companhias sobre seus métodos - certamente antes de elas terem encaminhado os relatórios anuais de 2009. Um aparte: nos negócios Repo 105, o Lehman colocou as garantias em 105% do dinheiro que recebeu e usou o dinheiro para pagar dívidas temporariamente, normalmente por cerca de uma semana, daí o nome do esquema. Uma autoridade reguladora de fato teria, é claro, feito alguma coisa para impedir a prestidigitação do Lehman enquanto ela ainda estava em andamento. Mas SEC não estava apenas alheia aos Repo 105 antes do Lehman explodir. Ela provavelmente não teria se importado com isso na ocasião, não obstante o interesse súbito demonstrado pelo assunto na semana passada. Em seu relatório, Valukas diz que entrevistou seis funcionários da SEC em agosto, que eram responsáveis pelo monitoramento das operações do Lehman. "Nenhum deles informou sobre o uso das transações Repo 105 do Lehman", escreveu ele. Mais notável ainda foi a explicação que Valukas recebeu em novembro, quando entrevistou Matthew Eichner, um ex-diretor-assistente da divisão da SEC que supervisionava o Lehman. Valukas disse que Eichner não estava a par dos Repo 105, de nome ou descrição. No entanto, mesmo que a agência soubesse do volume de negócios Repo 105 do Lehman, Eichner disse que eles não seriam um sinal de que "alguma coisa estava muito errada". Eichner, hoje um consultor do Federal Reserve (Fed), disse isso porque os monitores da SEC não dão muita atenção aos números de alavancagem. Portanto, mesmo com o benefício do retrospecto, percebe-se que a equipe da SEC não tinha a mínima ideia do que estava acontecendo. Deve ser bom viver dessa maneira. O lado bom é que pelo menos agora a SEC diz que pretende tornar públicas as respostas de seus questionários mais recentes assim que as análises forem concluídas. Tudo isso me faz lembrar um velho ditado do renomado "short seller" [vendedor de ações a descoberto] Jim Chanos, da Kynikos Associates. "Os 'short sellers' são os detetives em tempo real dos mercados financeiros, enquanto os reguladores com muita frequência acabam como os arqueólogos do mercado." É a mais pura verdade. Foram os investidores que estavam vendendo ações do Lehman a descoberto, especialmente David Einhorn, da Greenlight Capital, que alertaram o público de que o Lehman provavelmente estava maquiando seu balanço, embora nem mesmo o mais brilhante desses "vendedores a descoberto" teria sido capaz de detectar as transações Repo 105 do Lehman estando do lado de fora. Quanto ao resto do adágio de Chanos, a SEC agora está levando a coisa um passo adiante. Em seus esforços para identificar tramoias ao estilo Lehman em outras companhias, a SEC foi relegada a tomar as rédeas de descobertas arqueológicas feitas por outros. Enquanto isso, não há duvida que os maquiadores de balanços mais inventivos encontraram novos truques que a SEC ainda não começou a entender, quanto menos descobrir. Em todo caso, antes tarde do que nunca. Jonathan Weil é colunista da Bloomberg. |
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