O poder da versão
Antonio Machado
CORREIO BRAZILIENSE - 13/04/10
BC está cercado pela certeza do mercado de que a demanda cresce em ritmo maior que o da produção
Pela 12ª semana, a estimativa da inflação para 2010 veio em alta, conforme o mirante da centena de bancos, consultorias e entidades empresariais consultadas pelo Banco Central. De 5,18%, uma semana atrás, saltou para 5,29%. E de 4,74%, em 2011, para 4,80%.
Ambas as medidas, balizadas pelo IPCA, índice do IBGE que capta a variação dos preços ao consumidor, estão acima do centro da meta — 4,5%, com intervalo de 2,5% a 6,5%. Fecha-se, assim, o cerco sobre a reunião do dia 28 do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC.
Nela, a Selic voltará a estar em foco. E deverá subir, segundo o Focus, boletim semanal do BC sobre os anseios do chamado mercado. Parada em 8,75% ao ano desde julho de 2009, é uma das mais altas do mundo e, paradoxalmente, a menor já praticada pelo BC.
A Selic é referência para o custo das operações interbancárias e, portanto, funciona como piso para os juros pagos aos investidores no processo de formação das taxas cobradas no mercado de crédito.
É com ela que o BC influencia as expectativas inflacionárias. Mas as expectativas também podem influenciá-lo, sempre que o seu papel de coordenação estiver questionado. A ata do último Copom, quando, segundo seu relato, a conjuntura indicava o aumento da Selic, que não aconteceu, confundiu as percepções. O mercado se viu sem chão.
A indecisão do presidente do BC, Henrique Meirelles, sobre o seu destino político envenenou o quadro. Ele decidiu ficar, mas agora à frente de uma diretoria 100% formada por funcionários. O último diretor egresso do setor privado, Mário Mesquita, saiu. Não é que isso possa fazer alguma diferença. O BC já foi tocado por quadros de carreira sem se desviar um milímetro da ortodoxia monetária.
Mas é outro questionamento num ano eleitoral, ao que se adicionam a combatividade do ministro da Fazenda, Guido Mantega, para que o crescimento acelerado não sofra percalços, e a ordem do presidente Lula ao ministério, em reunião no início da semana passada, para que o orçamento de cada pasta seja gasto até o último centavo.
Assim está o BC em relação ao que fazer com a Selic, função, por sua vez, do que se espera da inflação — resultado de fundamentos identificáveis pelos modelos de projeção, mas também de profecias baseadas em crendices econômicas e de apostas dos que operam com a arbitragem de taxas no mercado de títulos da dívida pública.
Só o passado é certo
Tudo isso é ponderado pelo BC, até o lobby disfarçado de análise técnica. Certo é só o passado. Ele diz à luz do IPCA em doze meses até março que a sua variação acumulada, 5,17%, supera a meta anual (4,5%), mas no mês cresceu abaixo do esperado pelo mercado, 0,52%, e muito menos que o resultado de fevereiro sobre janeiro, 0,78%.
Fatores pontuais inflaram a inflação corrente, como o excesso de chuvas, que impacta os preços dos gêneros agrícolas, e reajustes de IPTU, IPVA, as tarifas de ônibus e mensalidades escolares.
O dialeto do mercado
É a carestia datada, razão pela qual a inflação projetada para os próximos doze meses se adapta a um ritmo menor que o previsto para o ano-calendário. Na média intersemanal do Focus, ela foi de 4,63% a 4,69%: acima da meta e abaixo do estimado para o ano (5,29%).
Essa sopa de números é o dialeto do “mercado” para dialogar com o BC. Traduzindo o seu significado: 1º, não há pressão factual sobre os preços; 2º, mas ela haverá, se a aceleração da demanda não for ajustada à da produção, uma função do investimento, complementada pelas importações; e 3º, o mercado diz que, mesmo supondo aumento da Selic dos atuais 8,75% para 11,25% este ano e assim ficando até o fim de 2011, a inflação só voltará ao centro da meta em 2012.
Expectativa dá o tom
Para as fontes que formam a média das projeções do Focus, o BC se atrasou em relação à Selic. Como a inflação corrente não sanciona o vaticínio, só a projetada, o BC pisa em ovos. Os inflacionistas alegam que a folga da capacidade instalada aberta pela crise está se fechando e que o ritmo dos investimentos, embora forte, não vai expandir a oferta, suplementada com importação, a tempo de demover uma onda de remarcação preventiva de preços. Há controvérsias.
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, argumenta que o cenário do Focus não confere com o mapa dos investimentos em curso. Não há gargalo de oferta, ele sustenta. Mas há, admite, “problema com as expectativas do mercado”, que acredita noutra coisa. O que fazer?
“O BC tem de controlá-las”, diz. Ou faz ou a profecia do mercado se tornará realidade. É triste, mas o BC não vai bancar a aposta.
PIB pode chegar a 7%
Aos olhos de quem só vê a dinâmica que a Selic tende a assumir, há um grande desarranjo. Não há. Há é uma recuperação cíclica que vai impressionar. Para o economista Fernando Montero, será a maior em 25 anos. O aumento do PIB, estimado em 5,8% pelo BC, já chega a 7% em suas contas. O Bradesco acaba de rever sua projeção para 6,4%.
O Tesouro deve estar esperando um aumento dessa grandeza, segundo Montero, já que, diz, sem superarrecadação tributária, não há como entregar a meta anual de superávit primário (3,3% do PIB), como o governo garante que fará. Em tal cenário, é a inflação de 2011 que pode desgarrar. Para pegá-la no laço, o BC deve começar já agora a pôr fermento na Selic. Essa é a motivação, não o IPCA de 2010.
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