Um país resiste melhor do que um aglomerado
FOLHA DE SÃO PAULO - 01/03/2010
O pequeno intervalo entre o terremoto no Haiti e o do Chile leva, inexoravelmente, a uma pergunta: como é que um tremor bem mais intenso provoca bem menos danos e mortes?
A resposta é simples: o Chile é um país, pobre, mas razoavelmente organizado; o Haiti é um aglomerado, ainda mais pobre, muitíssimo mais pobre.
É óbvio que o fato de o Chile ser e saber ser um "país sísmico" também faz diferença: a cada dez anos, há um abalo grave no Chile, vítima de dez pequenos tremores diários e 3.500 movimentos sísmicos anuais.
Já o Haiti conheceu no dia 12 de janeiro seu primeiro terremoto grave em uma geração.
Mas o país sofre frequentes desastres naturais que, houvesse um poder público minimamente funcional, teriam levado a pelo menos algum nível de preparação. Mas não. Patrick Midy, um arquiteto de destaque no Haiti, disse à agência Associated Press que sabia de apenas três prédios preparados para terremotos no país inteiro.
No Chile, há toda uma legislação sobre construções voltada para minimizar os efeitos de abalos sísmicos, bem como a preparação da população. No Haiti, mês e meio depois do terremoto, boa parte das vítimas ainda está entregue a sua própria iniciativa. É óbvio que nem Chile nem Haiti podem evitar terremotos. O que um Estado pode fazer é, um, preparar-se e à população para minimizar os danos e, dois, reagir a qualquer emergência da melhor forma.
No Haiti, o poder público virtualmente desapareceu após o terremoto. Dê-se o desconto devido ao fato de que só sobrou de pé um ministério. Nem mesmo o palácio presidencial resistiu. Mas, se houvesse, antes, um Estado minimamente organizado, ele voltaria a funcionar, com inevitáveis limitações, assim que a ajuda estrangeira transformou o aeroporto da capital em centro operacional.
Repito o que disse Miguel Ángel Herrero, diretor-regional da ONG Intermón-Oxfam para a América Central e o Caribe, após o desastre haitiano: "Ninguém pode evitar um terremoto como o que ocorreu, mas podemos, sim, fazer algo para reduzir a vulnerabilidade de quem tem que viver com esse perigo".
As vulnerabilidades, no Haiti, eram -e são- infinitamente maiores do que no Chile. Como diz Herrero, "a pobreza atrai o desastre". É cruel, mas é um fato: em qualquer desastre natural, os mais pobres são sempre as maiores vítimas. E não há, nas Américas, maior número de pobres, em relação à população, do que no Haiti.
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