sexta-feira, fevereiro 12, 2010

WASHINGTON NOVAES

Becos escuros da violência


O Estado de S. Paulo - 12/02/2010

Anuncia o Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça (1º/2/10) que nas próximas semanas transferirá para o Centro-Oeste 156 presidiários, dos quais 53 para Goiás e os restantes para Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal. São detentos que aguardam julgamento em prisões distantes das regiões onde os crimes foram cometidos. Parece temerário. No mesmo dia desse comunicado, os jornais de Goiânia publicaram relatório sobre o maior complexo prisional do Estado, na capital, onde 1.500 detentos vivem entre entulhos, esgotos a céu aberto, sem atendimento à saúde, com suas "relações íntimas" em barracas de tecido num pátio de terra batida, a rotina definida por eles mesmos, alguns até comerciando alimentos e produtos de higiene (quando não drogas) e desfrutando televisões e freezers, enquanto os recém-chegados ficam amontoados em "corrós", à espera de que os outros detentos definam para onde irão, depois de verificar se não têm inimizades entre os demais ocupantes. Tudo isso é parte do relatório do promotor Haroldo Caetano da Silva, que há mais de dez anos já permaneceu como refém numa rebelião naquele mesmo presídio.

Não chega a surpreender. Em maio do ano passado, uma inspeção do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária já declarara (O Popular, 12/5/2009), após visita ao mesmo complexo, a "falência do sistema prisional". E o Ministério da Justiça colocara Goiás entre os cinco Estados que maior aumento de homicídios registraram entre 2007 e 2008, embora o governo estadual aplique quase R$ 1 bilhão por ano na área. Ainda assim, 30% dos homicídios em Goiânia permanecem sem solução.

É inevitável que a memória relembre 1982, quando o autor destas linhas se mudou para a capital goiana, a fim de dirigir o jornal Diário da Manhã. E ali, na reunião diária com os editores, no começo da tarde, repetia-se todos os dias a mesma cena, quando se via que a pré-diagramação reservara meia página para o noticiário policial. O editor da área dizia invariavelmente a mesma frase: "Eu não tenho notícias para preencher meia página." Hoje, provavelmente diria que seria necessário o espaço todo do jornal e ainda ficariam notícias de fora.

Mas Goiás não é exceção nesse quadro da violência e dos dramas prisionais. São Paulo mesmo, embora venha baixando o número de homicídios desde 1999 - quando foram 12.818, para 4.426 em 2008 -, ainda tem uma taxa de homicídios (11 por 100 mil habitantes) que o inclui na "zona epidêmica de homicídios" (acima de 10 por 100 mil), assim definida pela Organização Mundial de Saúde (Estado, 13/7/2009). E o mais grave continua sendo a incidência brutal desses crimes entre jovens de 15 a 24 anos no País. Em 2008 foram 27 mil, um quarto dos 106.848 óbitos (89 mil homens, 17 mil mulheres) que tiveram como causa homicídios e suicídios; 77,2% dos jovens morreram assim. Não é tudo. Entre jovens negros, o risco de ser assassinado é 2,7 vezes maior do que entre os jovens brancos - a quase totalidade deles no Rio de Janeiro, relacionados com o tráfico de drogas em mais de mil favelas. Não estranha, já que a taxa de desemprego entre jovens de 16 a 20 anos passou de 7% em 1987 para mais de 20% em 2007; e de 5% para 11% dos 21 aos 29 anos. Nesse ano de 2007, os 4,8 milhões de jovens sem emprego representavam 60,7% do total de desempregados, segundo o Ipea (O Globo, 20/1). Que iriam eles fazer? Esperar sentados na porta da casa que o emprego aparecesse? Ou aderir às possibilidades fora da lei?

Até 2012, diz o Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 32,4 mil jovens serão mortos em 267 cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes - 13 mortos por dia (Estado, 22/7/2009). O pesquisador Daniel Cerqueira, do Ipea, que investiga o campo da violência, cita dados do Ministério da Saúde para concluir que, entre 1979 e 2008, 1 milhão de pessoas terão morrido por causa da violência no País.

Nesse quadro amplo e assustador, os estabelecimentos penitenciários deveriam ter papel relevante. Mas, com poucas e honrosas exceções de presídios onde os internos têm chance de aprender uma profissão, exercê-la e até formar um pequeno pecúlio, as prisões acabam sendo não lugares de recuperação, e sim escolas de aperfeiçoamento no crime, como registram os jornais todo dia. E isso representa o não-cumprimento de vários direitos. Da sociedade, que paga - e caro - pela manutenção desses estabelecimentos e tem o direito de esperar que os egressos tenham condições de se reintegrar à vida social; dos detentos que não querem integrar-se aos esquemas criminosos vigentes na prisão - mas não têm opção, embora sejam portadores de direitos.

Em setembro último, a I Conferência Nacional de Segurança Pública reuniu 3 mil participantes, dos governos federal, estaduais e municipais, além de representantes da "sociedade civil", após 1.140 conferências preliminares em 540 cidades e debates pela internet dos quais participaram mais de meio milhão de pessoas. Ali se discutiram 26 "princípios" e 364 "diretrizes" - e ao final foram aprovados 10 "princípios" e 40 "diretrizes". Mas, segundo este jornal (1º/9/2009, A3), "o resultado final é um conjunto de platitudes, palavras de ordem e reivindicações corporativas". A tal ponto que a "diretriz" mais votada pede à Câmara dos Deputados que aprove a proposta de emenda constitucional que transforma os agentes penitenciários em agentes policiais - que pode resolver a questão salarial, mas pouco ou nada influirá na crise da segurança pública. Quanto à política de segurança, decidiu-se que ela deve "ser pautada na intersetorialidade, na transversalidade e na integração sistêmica com políticas sociais". Belas palavras, belas intenções. Mas sem efeitos práticos imediatos.

A continuar assim, não apenas os jornais goianos terão de dedicar seu espaço todo ao noticiário policial.

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