quarta-feira, fevereiro 24, 2010

RUY CASTRO

Moralismo em massa


Folha de S. Paulo - 24/02/2010

RIO DE JANEIRO - Sobre a mania de agrupar países, times de futebol etc. em G4, G8, G20, o presidente Lula disse outro dia, em Goiânia: "Crie um G que o Brasil está dentro.
Não tem país mais preparado para achar o ponto G que o Brasil". Risos na plateia. Pouco depois, referindo-se à interrupção das obras de uma estrada para evitar a extinção de uma perereca rara, declarou, galhofeiro: "Graças a Deus! Perereca não pode se extinguir nunca!". Na fila do gargarejo, senhoras davam cambalhotas de êxtase.
Vindas de Lula, duas referências vaginais num discurso passam com suavidade pela opinião pública. Os mais formais deploram a chulice, e só. Outros riem, contam para o colega de repartição, que também ri, e vida que segue. Mas imagino como seria se tivessem sido ditas nos EUA pelo presidente Obama -o Congresso, a mídia e o país entrariam em erupção.
É o que concluo ao acompanhar o escândalo em torno do golfista Tiger Woods. Em dois meses, ele passou de herói nacional à condição de absoluto pária, repudiado pelos patrocinadores, pela publicidade e pela sociedade por prática de galinhagem compulsiva.
E não adiantam as autoflagelações a que está se submetendo. Quanto mais pedir desculpas pela televisão, mais ficará marcado por ter feito sexo fora do casamento com cerca de 20 mulheres. Mas o que me espanta é ter sido sexo pago, e muito bem pago. Pensei que lhe bastasse ser Tiger Woods para ser irresistível.
No Brasil, jogadores de futebol, cantores e políticos, casados ou não, têm uma vida sexual diante da qual Tiger não pegaria nem aspirante. Alguém dirá que o brasileiro é hipócrita, porque finge que não vê. Talvez. Mas não é preciso ter lido Freud para desconfiar desses moralismos em massa, que crucificam alguém por realizar as fantasias de milhões.

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