quarta-feira, fevereiro 03, 2010

REGINA ALVAREZ

Duas visões

O GLOBO - 03/02/10


Qual a contribuição que o resultado da produção industrial de 2009 pode trazer na avaliação da conjuntura econômica em 2010? O comportamento do setor é crucial para medir o ritmo de recuperação e identificar gargalos que podem reforçar a disposição do Banco Central de elevar os juros no curto prazo. Mas não há conclusões prontas e acabadas a respeito dos números divulgados ontem.

O recuo na produção industrial de 7,4% em 2009 e a queda de 0,3% em dezembro, na comparação com o mês anterior, são os dados que, destrinchados, permitiram aos analistas fazer leituras distintas sobre a trajetória futura da indústria.

Debruçados sobre os mesmos números, especialistas do mercado e do setor produtivo enxergam o futuro de forma diferente.

Para o economista Sérgio Valle, da MB Associados, o resultado de 2009 reforça a percepção de que a indústria caminha em ritmo acelerado. Ele não considera que o resultado de dezembro é indicativo de desaceleração.

Prefere a comparação de dezembro contra dezembro, que registrou alta de 18,9%.

— Não dá para olhar os dados na margem e dizer que indústria foi decepção.

Este é um indicador pontual, que não indica tendência — afirma.

Leandro Padulla, da MCM Consultores, diz que o desempenho da indústria em dezembro foi melhor do que as expectativas da consultoria. Para ele, há sinais fortes de recuperação.

A queda estaria concentrada em alguns setores. E o uso da capacidade instalada, acima dos níveis históricos, seria uma sinal de alerta para os riscos de pressão inflacionária futura.

— A atividade continua forte no começo do ano. A aposta é no aumento dos juros já em abril — afirma.

Já o economista Júlio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda — que mantém fortes laços com o setor industrial — acha que o resultado de dezembro só confirma a avaliação de que não há superaquecimento na indústria, mas o que chama de “overdose de antecipação de consumo”, resultado das políticas de incentivo do governo.

Na visão de Luciana de Sá, diretora de Desenvolvimento Econômico da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), os dados de dezembro mostram uma acomodação no setor industrial. O ano de 2010 será bom, mas não há risco de superaquecimento, prevê.

— O aumento dos juros é altamente negativo e desestimulante para quem quer investir.

Será um balde de água fria sobre o otimismo do empresariado — conclui.

Estímulo externo

Enquanto o volume total de Investimento Estrangeiro Direto (IED) teve queda de 29% em 2009, o setor de infraestrutura registrou alta de 18% nesses investimentos, que pularam de US$ 4,4 bilhões, em 2008, para US$ 5,2 bilhões.

O resultado foi puxado principalmente pelos gastos dos estrangeiros no setor de petróleo, que cresceram 100%, saindo de US$ 1,3 bilhão, em 2008, para US$ 2,6 bilhões, em 2009. Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), também está otimista em relação ao futuro.

— Há bons projetos, uma necessidade gigantesca de expansão da infraestrutura e temos ainda as reservas do pré-sal para exploração.

A necessidade de financiamento, interno e externo, será grande — destaca.

Estímulo interno

O setor de infraestrutura também foi beneficiado pelo aumento dos desembolsos do BNDES, que cresceram 79%, segundo a Abdib, saltando de R$ 37,9 bilhões, em 2008, para R$ 68,1 bilhões no ano passado. Também neste caso os recursos foram para a área de petróleo. Os mercados de infraestrutura foram destino de 50% — ou R$ 68,1 bilhões — dos R$ 136,4 bilhões desembolsados pelo bancão de fomento em 2009. Esse resultado considera o aporte que o BNDES fez à Petrobras, que a Abdib computa como investimento em infraestrutura.

Boi pirata

Foi baixa a adesão de fazendas do Pará ao Cadastro Ambiental Rural, iniciativa conjunta do Ministério Público, governo e empresas da região para combater o desmatamento promovido pelos bovinos.

Apenas 5% das 110 mil fazendas do estado foram cadastradas.

O prazo expirou na segunda-feira.

O cadastro é o primeiro passo para regularizar a propriedade pelo aspecto ambiental.

Na visão do Greenpeace, a baixa adesão é sinal do descaso com que uma parte do setor trata o problema do desmatamento.

“Os proprietários continuam relutantes em fazer o cadastro, pois sabem que o mapeamento das fazendas facilita o monitoramento de novos desmatamentos pela análise de imagens de satélite”, diz a entidade.

Cabe agora ao MP fiscalizar as empresas que assinaram o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e punir aquelas que comprarem gado dessas fazendas irregulares. Segundo o Greenpeace, cerca de 80% da área desmatada da Amazônia está sendo usada para a criação de gado.

BALANÇO DA CRISE: A indústria têxtil fechou 2009 com queda de 6,38%. Para 2010, a expectativa é de crescimento de 4%, com alta de 6% no consumo interno.

COM ALVARO GRIBEL

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