segunda-feira, fevereiro 15, 2010

GEORGE VIDOR

Saldos positivos

O GLOBO - 15 /02/10

Em ano eleitoral qualquer análise ou avaliação do desempenho de governantes presentes e passados tende a ser vista como parcial, pois as paixões políticas se exacerbam por todos os lados. Mas, se nos distanciamos um pouco dessas paixões (cujo sentido literal é sofrimento), reconheceremos que os saldos dos governos Fernando Henrique e Lula foram bons para o país.

Ambos surpreenderam positivamente. Quando estava no Senado, e mesmo depois como chanceler, Fernando Henrique não via com bons olhos o processo de privatização que já estava em curso. Ao assumir o Ministério da Fazenda constatou, na prática, o impasse que o país se encontrava em decorrência da falência do estado. Com a batata quente na mão, seu primeiro desafio foi montar uma equipe, e na época não foi fácil convencer os formuladores do embrionário Plano Real a se engajarem no governo, pois nenhum deles acreditava na disposição política da cúpula governamental para consertar essa situação. Se dependesse deles o real talvez não fosse lançado tão rapidamente, mas o senso de oportunidade do presidente Itamar Franco e de seu ministro da Fazenda detectou que o momento era aquele. As condições poderiam não ser satisfatórias, mas eram suficientes.

Ao menos do ponto de vista político (ressaca do impeachment de Collor, etc.).

O Plano Real livrou o país do que parecia ser uma maldição interminável e as reformas que se seguiram pavimentaram o caminho de uma recuperação, ainda que lenta e gradual, para usar uma expressão comum do noticiário de então.

Embora Fernando Henrique seja rotulado de neoliberal por seus adversários, por causa das reformas e da privatização de empresas consideradas emblemáticas no processo de desenvolvimento econômico do país, na sua administração os impostos aumentaram barbaramente e a carga tributária alcançou um patamar recorde, em torno do qual tem se mantido. Obviamente as despesas acompanharam essa expansão da carga, especialmente os gastos de custeio, pois os investimentos públicos não evoluíram tanto no período.

Fernando Henrique manteve o Estado como principal agente econômico, mas mudou o eixo dinâmico da atividade produtiva para melhor.

Sem a estabilidade monetária, as reformas (o saneamento do sistema financeiro deve ser creditado nessa conta) e a carga recorde ainda estaríamos às voltas com a falência financeira do Estado, e o governo Lula também não teria o que realizar.

O senso de oportunidade do presidente Lula foi igualmente forte, e surpreendeu a todos com a nomeação de Henrique Meirelles para a presidência do Banco Central, na ocasião conhecido apenas como ex-banqueiro internacional e deputado federal eleito, por Goiás, na chapa do PSDB, partido rival do PT. Nessa mesma linha, Antonio Palocci, médico e político do interior de São Paulo, que se tornara homem de confiança de Lula durante a campanha eleitoral, comandava o Ministério da Fazenda com uma equipe formada por técnicos, sem coloração partidária, aos quais sequer conhecia pessoalmente.

A carga tributária que fora expandida por Fernando Henrique serviu para que o novo governo assumisse compromissos de superávits primários capazes de estancar a preocupante expansão da dívida pública. A economia se tornou mais confiável, as contas externas se equilibraram (o país subiu na classificação das agências avaliadoras de risco e obteve o conceito de grau de investido) e tudo isso deixou o governo Lula em uma situação fiscal bem mais confortável em seu segundo mandato, o que lhe possibilitou deslanchar ou aprofundar vários programas importantes na área social (eletrificação rural ou de pequenos núcleos urbanos afastados dos grandes centros, por exemplo).

Recentemente, já na fase final do seu segundo mandato, Lula acertou na mosca com o programa habitacional - o que, sem a queda nas taxas básicas de juros, talvez não fosse viável, devido aos subsídios embutidos nos financiamentos para famílias de baixa renda.

Em resumo, são muitos os méritos de ambos os governos (FH e Lula) e, apesar de ser quase inevitável na disputa eleitoral, a discussão sobre "quem fez mais" acabará empobrecendo o debate político durante a próxima campanha.

A questão da energia exemplifica bem isso. O r a c i o n a m e n t o d e 2001/2002 é sempre apontado como consequência "da política neoliberal de Fernando Henrique". Mas, no fundo, todos sabem que não seria possível evitálo nas condições que o país se encontrava. As inic i a t i v a s t o m a d a s n ã o iriam maturar a ponto de compensar cinco anos de poucas chuvas e o esvaziamento dos reservatórios das hidrelétricas. Naquela situação só mesmo medidas emergenciais poderiam funcionar.

A experiência, sem dúvida, serviu para valorizar o planejamento energético, restabelecido meritoriamente pelo atual governo.

No entanto, o governo Lula ainda esbarra em muitos obstáculos para a construção de hidrelétricas. O leilão da usina de Belo Monte só sairá no último ano do mandato do presidente! Fernando Henrique e Lula são políticos com personalidades fortes, e com essa referência, os eleitores certamente prestarão atenção às qualidades pessoais e fragilidades dos candidatos que concorrerão em outubro à presidência. Mas seria muito bom para o país se esse debate envolvesse igualmente a visão de cada postulante a presidente sobre o quê fazer, e como fazer, com as limitações financeiras existentes, para ajudar o Brasil a continuar melhorando.

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