Mudando de paradigma
O ESTADO DE SÃO PAULO - 15/02/10
Não há mais como evitar, a atividade seguradora deve, rapidamente, se debruçar sobre as profundas mudanças que afetam o planeta e que fazem com que seus produtos não cumpram mais com sua função de proteger a sociedade.
A verdade é que boa parte das apólices em vigor, aqui e no exterior, não está adequada à realidade atual, quer por não cobrirem os riscos que ameaçam os segurados, quer por estarem com os preços defasados em função da sinistralidade.
Ao longo dos últimos anos o mundo mudou. E a mudança que se vê foi radical. Como estávamos no meio dela, demoramos a perceber, mas agora as coisas começam a clarear. Por este motivo é hora de sintonizar na frequência do planeta, assimilando as mudanças dos riscos, para desenvolver novas coberturas pensadas em função delas.
Da 1ª Guerra Mundial para cá, a expectativa de vida do ser humano subiu em todos os lugares do mundo, dos mais ricos aos mais pobres. O Japão, por exemplo, atingiu a média de mais de 80 anos.
A riqueza também se democratizou e se espalhou pelo planeta. Em contrapartida, a violência urbana assola todas as nações, matando milhares de pessoas anualmente, ainda que não havendo guerra declarada na maior parte delas.
Os meios de produção atingiram uma capacidade jamais vista ao longo da história. As novas tecnologias de comunicação ligam todos os cantos da terra em tempo real. A internet torna acessível a todos os usuários uma gama de informações inédita, pela quantidade e variedade de temas.
Por conta da crise de 2008, nações antes vistas como secundárias passam a desempenhar papel cada vez mais relevante para garantir a estabilidade e o funcionamento organizado da humanidade.
China, Rússia, Índia e Brasil se destacam pelos avanços positivos, enquanto Espanha, Irlanda, Grécia e Portugal ameaçam a recuperação internacional com o fantasma do não pagamento de suas dívidas.
Para completar o quadro, mudanças climáticas cada vez mais radicais modificam a realidade do planeta, com eventos de origem natural chegando a níveis de violência inimagináveis e atingindo regiões completamente desacostumadas aos seus impactos.
Tufões, vendavais, furacões, tempestades, tornados, granizo, chuvas fortes, ventanias, tempestades tropicais, nevascas, enchentes, secas e o mais que se imaginar em eventos de origem climática cobram fortunas das comunidades atingidas.
Pragas, doenças, endemias e epidemias se espalham pelo mundo matando e levando pânico. A cada vitória da medicina, surge uma nova ameaça, representada por um novo vírus ou uma bactéria desconhecida ou resistente aos medicamentos tradicionais.
Entre as atividades econômicas mais afetadas está o setor de seguros.
Não poderia ser diferente, já que o seu negócio é a proteção da sociedade pelo pagamento das indenizações dos sinistros.
Diz o ditado que "não existe risco ruim, existem seguros mal precificados". E é isto que se vê cada vez com mais frequência, inclusive em seguros com mais de um século de existência.
Diante da nova realidade, as estatísticas até agora usadas para calcular os prêmios deixaram de ser eficazes.
As estatísticas se baseiam na experiência passada, que não serve mais porque os sinistros atuais são inéditos, ou melhor, são eventos novos, pelas características, pela ordem de grandeza, pela frequência e pelos locais onde ocorrem.
Isto quer dizer que é hora da atividade fazer a lição de casa. Se os conceitos, as garantias, os resseguros, as taxas e as políticas de aceitação não forem profundamente revistos, em poucos anos as seguradoras e resseguradoras terão perdido mais do que podem suportar, colocando em risco todo o sistema.
Não dá mais para esperar. Ou as seguradoras, inclusive as nacionais, levam em conta a nova realidade, representada pela velocidade vertiginosa do mundo e pelo aumento brutal da violência urbana e pelos danos causados pelos fenômenos naturais de origem climática ou não, ou suas taxas serão insuficientes para fazer frente às suas obrigações contratuais.
Antonio Penteado Mendonça é advogado, sócio de Penteado Mendonça Advocacia, professor da FIA-FEA/USP e do PEC da Fundação Getúlio Vargas e comentarista da Rádio Eldorado.
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