domingo, fevereiro 21, 2010

ELIO GASPARI

A teologia da urucubaca vicia o tucanato

FOLHA DE SÃO PAULO - 21/02/10

O perigo da inadimplência de uma patuleia desempregada é uma ilusão produzida pelo preconceito

O TUCANATO parece disposto a organizar um comitê pela eleição de Dilma Rousseff. Só isso explica que insista em profetizar catástrofes. No dia 5 passado, o deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas, presidente do Instituto Teotônio Vilela, advertiu para o risco de uma crise de inadimplência na economia, provocada pelos altos custos financeiros do crédito das famílias.
Segundo o noticiário do partido, "os especialistas alertam que o aumento do desemprego no país pode levar a uma onda de calotes". É a teologia da urucubaca, que teve em Lula seu grande devoto quando, durante a campanha de 1998, disse que "como Deus é grande, e ainda não foi privatizado, o desemprego subiu". (Um mês depois, Deus negou-lhe o emprego que pedia.)
A realidade não ajudou os tucanos. Em janeiro deste ano foram criados 181.419 empregos, um recorde na série estatística iniciada em 1992.
Uma coisa é a discussão da festa da banca, bem outra é a urucubaca de uma crise decorrente da expansão de crédito. Quando um cidadão paga uma prestação de R$ 100, na média, só R$ 70 referem-se à mercadoria que adquiriu, mas isso não significa que a patuleia irá ao calote porque não pode pagar o que comprou. Entre 2003 e hoje, o crédito das famílias praticamente dobrou. Compraram-se carros e trocaram-se fogões, equipamentos que identificam uma nova classe média.
Se há brasileiros satisfeitos porque compraram bens que estavam fora do seu alcance, essa é a boa notícia. (Imagina esquentar o jantar no fogão, como acontecia antes da chegada do forno de micro-ondas com sua prestação de R$ 33.)
Em setembro de 2007, um ano antes da crise da banca, a taxa de calotes estava em 7,3%, um índice razoável. Em junho do ano passado a porcentagem subiu para 8,6%. Hoje está em 7,8%.
A crítica de Vellozo Lucas aos custos financeiros dos empréstimos pode sinalizar o início de um novo PSDB. Finalmente, José Serra prevaleceria sobre a ekipekonômica de Fernando Henrique Cardoso. Se, e quando, isso acontecer, em vez de associar a expansão do crédito ao fim do mundo, o tucanato descobrirá que pode defender menos juros para o andar de cima e mais bem-estar para o de baixo.

QUIROMANCIA
Dificilmente o DEM (ex-PFL, ex-PDS e ex-Arena) sobreviverá à eleição de outubro.

ETIQUETA PETISTA
A nação petista inventou uma nova moda na etiqueta de Brasília. Quando um "alto companheiro" quer falar com alguém, pede a um sherpa que ligue para a vítima informando que às tantas horas ela receberá um telefonema.
Essa prática é comum entre chefes de Estado e destina-se a permitir que o interlocutor reserve tempo para uma conversa que pode ser demorada. Se a solicitação é feita por uma pessoa que não tem tamanho cacife, fica no ar uma ponta de presunção, mas tudo bem.
A inovação petista está em outro aspecto. Numa amostra de quatro episódios, três "altos companheiros" marcaram a hora e não deram telefonema algum. Nem para pedir desculpas. Caso típico de articulação do caos por meio da simulação de produtividade.

CRISTINA GALTIERI?
O casal Kirchner sinalizou para o mundo que a situação do governo argentino vai de mal a pior e reabriu a encrenca diplomática da possessão inglesa das ilhas Malvinas.
Cristina Kirchner quer limitar a exploração de petróleo nas águas do arquipélago e o primeiro-ministro Gordon Brown já avisou que recorrerá à força militar para garantir seus direitos. Em 1982, o general Leopoldo Galtieri não sabia o que fazer com sua ditadura esfrangalhada e mandou invadir as ilhas. Pensava em trocar de agenda, unindo a Argentina.
Uniu a Inglaterra em torno da primeira-ministra Margaret Thatcher, humilhou suas forças armadas, capitulou, foi deposto e acabou na cadeia.

MADAME NATASHA
Madame Natasha tem horror a diplomas e acredita que ao longo deste ano terá muito trabalho com a ministra Dilma Rousseff. A senhora decidiu conceder mais uma de suas bolsas de estudo à candidata do PT à Presidência da República, pela seguinte pérola: "O Estado terá, inexoravelmente, de reforçar seu segmento executor".
Natasha crê que ela quis dizer o seguinte: "A influência do Estado aumentará".

FALA, ARRUDA
Segundo Durval Barbosa, o James Cameron da política de Brasília, quando José Roberto Arruda soube da existência de sua cinemateca disse-lhe o seguinte: "Se um dia você resolver apresentar essas imagens da minha pessoa, você me avise com cinco dias de antecedência que é para eu sumir ou dar um tiro na minha cabeça ou te matar". Há uma quarta possibilidade. Obrigado a lutar pela liberdade, José Roberto Arruda pode fazer um acordo com o Ministério Público. Conta tudo e fica com direito a um novo capítulo na sua biografia.

RECORDAR É VIVER
Durante a campanha eleitoral de 2002 a casa bancária Goldman Sachs aterrorizou a nação petista ao divulgar uma equação chamada Lulômetro. O sujeito alinhava suas incertezas diante de uma vitória de Nosso Guia e ao final recebia uma estimativa do valor do dólar caso ele vencesse. Na época a moeda americana rondava os R$ 4.
Nada melhor que um dia depois do outro. Agora sabe-se que à mesma época a Goldman Sachs estava maquiando o endividamento do sistema de saúde do povo grego. Faturaram US$ 300 milhões com o golpe.
Alguem deveria criar o Goldômetro.

LENÇÓIS E MISTÉRIOS DE JOHN KENNEDY

Com o aparecimento de um lote de 11 cartas de um namoro chique de John Kennedy com uma sueca, restam poucos segredos de seus lençóis. O maior deles continua guardado por Ben Bradlee, ex-editor do "Washington Post", comandante da operação que desvendou os mistérios do caso Watergate e terminou com a renúncia do presidente Richard Nixon. Aos 88 anos, ele vive em Washington.
Mary Pinchot, irmã da segunda mulher de Bradlee, namorou Kennedy entrando pela porta da frente da Casa Branca (15 registros, o último em agosto de 1963, três meses antes dos tiros de Dallas). Mulher linda e independente, deu maconha ao presidente e teria dito que lhe levaria uma pastilha de LSD.
Ela fora casada com um capa-preta da CIA e mantinha um diário. Em outubro de 1964, Mary saiu para correr num parque e foi encontrada morta com um tiro na cabeça e outro no coração. Na manhã seguinte, James Angleton, o chefe da contraespionagem da "Companhia", foi flagrado duas vezes por Bradlee e sua mulher na casa de Mary. Usava luvas e procurava o diário. O livrinho foi entregue a Angleton, com a recomendação de que o destruísse. Ele o devolveu mais de dez anos depois. O casal leu-o e queimou-o.
Cord, o ex-marido de Mary Meyer, morreu em 2001. Seis semanas antes, com a saúde debilitada por décadas de alcoolismo e depressões, respondeu a um jornalista que lhe perguntou quem matou sua ex-mulher: "Os mesmos f. da p. que mataram Kennedy".

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