Ritmos diferentes
O GLOBO - 05/01/10
A venda de carros no mercado interno fechou o ano com um número inesperado: 3.141.000 automóveis.
Para um ano que começou em ponto morto, foi uma arrancada: 11% sobre 2008. Em 2010, as vendas devem crescer 8%. As exportações tiveram queda de 40%. “Nem posso culpar o câmbio porque na verdade o mundo não compra, os mercados lá fora encolheram”, diz Jackson Schneider, da Anfavea.
Os primeiros dados de balanço e previsão dos setores mostram uma economia em recuperação, mas com preocupações à frente. O superávit comercial vai cair de novo, em 2010, para US$ 12 bilhões ou US$ 10 bilhões.
As exportações só se seguram pelo preço das commodities e pela demanda chinesa, segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). O superávit comercial de US$ 1,8 bi em 2008 com os Estados Unidos caiu para déficit de US$ 4,4 bilhões em 2009.
— Isso é resultado de sete anos sem uma única missão governamental para promover exportação para a maior economia do mundo.
O governo desprezou o mercado americano, que era de 25% das nossas exportações em 2002 e agora absorve apenas 10% — diz José Augusto de Castro, vicepresidente da AEB.
O agronegócio mais uma vez garantirá o saldo positivo.
Para se ter uma ideia, o superávit do setor será de US$ 53 bilhões. O cenário previsto pelo economista Fábio Silveira, da RC Consultores, é de superávit de US$ 10 bilhões em 2010. Isso significa que o agronegócio terá um resultado positivo de US$ 53 bi, enquanto o setor industrial produzirá um resultado negativo de US$ 43 bi.
O câmbio só não preocupa muito porque o principal problema ainda é a falta de compradores.
Por enquanto. Schneider disse que quando a situação na economia internacional melhorar, o Brasil não poderá competir.
— Na hora em que retomar a demanda externa, o Brasil estará em condições piores do que seus competidores por causa do câmbio — disse o presidente da Anfavea.
No agronegócio, o câmbio também não é a preocupação central agora, por um motivo: a escalada dos preços internacionais das commodities agrícolas.
— O café, que exportou US$ 4,4 bilhões em 2009, vai exportar US$ 4,5 bilhões em 2010. O açúcar vai de US$ 8 bilhões para US$ 9 bilhões. A soja em grão sairá de US$ 13 bilhões para US$ 14 bilhões.
Quem não teve preço melhor, aumentará o volume, como a carne, que deve exportar US$ 10,5 bilhões este ano, um pouco mais do que os US$ 9,8 bilhões do ano passado — diz Fábio Silveira, da RC.
José Augusto de Castro, da AEB, acha que o setor exportador se sustenta por causa de uma disparada nos preços, que, na visão dele, é prova de que estão se formando novas bolhas.
— O açúcar teve aumento de preço de 105%, algodão, de 55%, café, 20%, suco de laranja, 90%. O aumento de 14% da soja não parece muito, mas está havendo supersafra nos Estados Unidos, Brasil e Argentina, e os preços sobem. No setor de metálicos também há fatos estranhos: o que justifica o cobre ter subido 153%, o alumínio, 81%, e o zinco, 129%, numa economia que ainda está em crise? As commodities negociadas em bolsa estão virando ativos financeiros pelo excesso de liquidez — diz Castro.
A economia entra assim em 2010. Com alguns bons motivos para comemorar um final feliz em vários setores, mas com preocupações em outras áreas. No setor automobilístico, a diferença é gritante. Em novembro de 2008, as vendas caíram 25%. Entraram fracas no ano e foram se recuperando aos poucos.
— A crise chegou pela ponta do crédito. O consumidor ia até a loja, tinha vontade de comprar o carro, mas não tinha crédito. O Banco Central tomou todas aquelas medidas de liberação de compulsório e de compra de carteira de veículos.
A situação melhorou.
O que trouxe de volta mesmo o consumidor foi a queda do IPI. O movimento foi ajudado pelas promoções e descontos dos fabricantes e do varejo e a gente chegou a um excelente resultado — diz o presidente da Anfavea.
Para 2010, o setor está prevendo que as vendas vão chegar a 3,4 milhões de veículos leves, excluindo tratores e caminhões. Mesmo se a demanda lá fora melhorar, ele não se anima.
Acha que o dólar não ajuda.
O setor de aço tem um quadro de recuperação, mas bem menos colorido. Marco Polo de Mello Lopes, do Instituto Aço Brasil, diz que o setor fechou o ano com queda de 20% de produção em relação a 2008, mas houve um momento em que a ocupação da capacidade instalada mal chegava a 50%. Chegou ao fim do ano em 80%: — Nós precisamos da exportação porque o mercado interno não consome tudo, mas o mundo tem excedentes e a grande interrogação é a China: ela continuará comprando ou vai exportar seus excedentes? Executivos e consultores mostram um cenário com sinais contraditórios. Schneider, da Anfavea, disse que os três maiores anúncios de investimento no mundo, no setor automobilístico, foram feitos no Brasil: da GM, Ford e Volks. Marco Polo, do setor siderúrgico, acha que a demanda por aço só vai crescer quando forem iniciados investimentos para a Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016. Os exportadores acham que o Brasil tem perdido oportunidades, o câmbio vai atrapalhar, e o saldo comercial vai encolher.
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